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SOLIDARIEDADE COM A PALESTINA

Informação sobre a ocupação israelita, a resistência palestiniana e a solidariedade internacional *** email: comitepalestina@bdsportugal.org

SOLIDARIEDADE COM A PALESTINA

Informação sobre a ocupação israelita, a resistência palestiniana e a solidariedade internacional *** email: comitepalestina@bdsportugal.org

COMUNICADO DE IMPRENSA

O músico Sérgio Godinho, o radialista Nuno Calado e o artista Bordalo II estão entre os artistas, associações e trabalhadores da cultura que apelaram hoje ao boicote do Festival da Eurovisão - a ter lugar a 11 de maio na Suécia - caso Israel participe no evento.

Numa carta dirigida à RTP, responsável pelo concurso em Portugal, os subscritores - onde se incluem os músicos Benjamim (que integrou o júri das semifinais do Festival da Canção) e Cristina Clara (uma das finalistas da presente edição do Festival da Canção) - pedem à emissora pública que exija, da European Broadcasting Union (EBU), entidade organizadora do Festival da Eurovisão, a proibição da “participação de Israel no evento até que Israel respeite o direito internacional, ou que, em caso de recusa [da EBU], boicote o Festival.”

Entre os subscritores contam-se personalidades dos mais diversos campos artísticos, como os cineastas Sérgio Tréfaut, Cláudia Varejão e Catarina Vasconcelos, o criador de moda Nuno baltazar, o humorista Diogo Faro, e também a editora Cafetra ou a Associação A Música Portuguesa A Gostar Dela Própria, do realizador Tiago Pereira.

Esta iniciativa, promovida pelo Comité de Solidariedade com a Palestina, surge em resposta ao apelo palestiniano para o boicote à Eurovisão. Pela Europa fora os protestos contra a participação de Israel têm aumentado. Mais de 1400 artistas da Finlândia exigiram a exclusão de Israel enquanto que a Islândia pôs em causa a sua participação no Festival. Mais de mil artistas suecos, país anfitrião do Festival em 2024, denunciaram a hipocrisia do Festival por deixar Israel participar. 

A carta aberta agora divulgada, assinada também pelas atrizes Carla Bolito e São José Lapa e pelos atores João Grosso e Miguel Nunes, aponta “para a hipocrisia da EBU, que baniu a Rússia no dia seguinte à sua invasão e ocupação da Ucrânia, mas que insiste na participação de Israel apesar da sua ocupação da Palestina e opressão do povo palestiniano que dura há mais de meio século.”

A declaração vem numa altura em que Israel tem acelerado os massacres contra o povo palestiniano, cometidos com total impunidade e com o apoio dos governos europeus. O Tribunal Penal Internacional advertiu recentemente estarmos perante um “plausível” crime de genocício por parte de Israel contra o povo palestiniano em Gaza. Os signatários pretendem, conforme escrevem, quebrar “o silêncio que impregna a maioria das instituições culturais do país em relação ao genocídio em curso do Estado de Israel contra a população palestiniana.”

Como parte do seu genocídio cultural, “Israel matou artistas, escritores e poetas, destruiu ou danificou um património histórico singular, como a mesquita de al-Omari do século XIV, a igreja de São Porfírio, a terceira mais antiga do mundo, o Museum Nacional de Gaza com mais de 3.000 antiguidades raras, assim como centros culturais, teatros e bibliotecas,” destacam os assinantes. 
 
A carta, subscrita ainda pelo músico Tó Trips e pela coreógrafa Carlota Lagido, entre outros, conclui com um convite a que “pessoas, associações e outros colectivos do sector artístico e cultural português” se juntem e assinem a mesma, ”comprometendo-se a recusar colaborações com instituições culturais cúmplices israelitas ou a atuar em Israel, e apoiando a luta pela justiça e autodeterminação do povo palestiniano, reconhecendo que é o seu próprio direito à existência que está a ser negado por Israel.” 
 
 
CARTA ABERTA DE ARTISTAS
PARA QUE ISRAEL SEJA BANIDO DO FESTIVAL DA EUROVISÃO 2024
 
Nós, trabalhadores da arte em Portugal, apelamos à RTP que exija à European Broadcasting Union (EBU), entidade organizadora do Festival da Eurovisão, que proíba a participação de Israel no evento até que Israel respeite o direito internacional, ou que, em caso de recusa, boicote o Festival.
 
Unimos as nossas vozes nesta carta aberta para, em conjunto, quebrarmos o silêncio que impregna a maioria das instituições culturais do país em relação ao genocídio em curso do Estado de Israel contra a população palestiniana.
 
Apontamos para a hipocrisia da EBU, que baniu a Rússia no dia seguinte à sua invasão e ocupação da Ucrânia, mas que insiste na participação de Israel apesar da sua ocupação da Palestina e opressão do povo palestiniano que dura há mais de meio século.
 
O Tribunal Penal Internacional advertiu para um “plausível” genocídio de Israel contra o povo palestiniano em Gaza, que até agora sofreu mais de 30.000 mortes, das quais pelo menos 12.300 são crianças. Os crimes de guerra perpetrados por Israel incluem o ataque intencional a instalações civis, como escolas, universidades e hospitais, a recusa de ajuda humanitária e o uso deliberado e ilegal de armas explosivas e fósforo branco contra civis. 
 
Como parte do seu genocídio cultural, Israel matou artistas, escritores e poetas, destruiu ou danificou um património histórico singular, como a mesquita de al-Omari do século 14, a igreja de São Porfírio, a terceira mais antiga do mundo, o Museum Nacional de Gaza com mais de 3.000 antiguidades raras, assim como centros culturais, teatros e bibliotecas.
 
A somar a estes, a deslocação forçada, o corte de água, alimentos e combustível e o emprego da “fome como arma de guerra”, de acordo com a Oxfam.  Este é um genocídio a ser divulgado em live stream nas redes sociais. Ninguém poderá um dia dizer “eu não sabia”.
 
Reconhecemos que o massacre em curso é apenas a última etapa de uma estratégia mais vasta de limpeza étnica, promovida pelas políticas sionistas e desenvolvida ao longo de 75 anos de ocupação colonial, que priva o povo palestiniano dos seus direitos, sob um regime de apartheid, reconhecido pela Amnistia Internacional, com violações repetidas e impunes do direito internacional e das resoluções da ONU.
 
A emissora estatal israelita KAN publicou recentemente um vídeo arrepiante e genocida de crianças israelitas a cantar: "Vamos aniquilá-los todos [palestinianos de Gaza]". Só este facto já deveria ter justificado a expulsão de Kan da Eurovisão. A emissora continua a ignorar a decisão do Tribunal Penal Internacional para que Israel termine o incitamento genocida contra o povo palestiniano.
 
Respondendo ao apelo palestiniano e seguindo o exemplo de centenas de artistas da Finlândia, Islândia, Itália e outros países, parte de uma crescente onda de indignação e de protesto, apelamos à RTP para que pressione de imediato a EBU a excluir Israel do Festival Eurovisão ou, em caso de recusa, que boicote o Festival.
 
Convidamos pessoas, associações e outros colectivos do sector artístico e cultural português a assinar esta carta connosco, comprometendo-se a recusar colaborações com instituições culturais cúmplices israelitas ou a actuar em Israel, e apoiando a luta pela justiça e autodeterminação do povo palestiniano, reconhecendo que é o seu próprio direito à existência que está a ser negado por Israel.
 
ASSINAM:
 
Adriana Dezotti — Escritora e atriz
Afonso Queiró — Cantor
Alaíde Costa — Produtora cultural
Alain Vachier — Produtor musical
Alexandra Balona — Curadora independente
Alice Baleine — Produção artística
Alice Ruiz — Atriz, cantora
Alípio Padilha — Fotógrafo
Ana Fernandes — Atriz
Ana Luísa Gomes — Realizadora
Ana Nicolau — Realizadora
Ana Trincão — Performer
André Albuquerque — Ator
André Canário — Ator
André Tecedeiro — Poeta
Ângela (XePizarro) — Cantora
António Dias — Consultor artístico
António José Gonzalez — Encenador, performer
António Pedro Braga (AP Braga) — Baladeiro
Aura — Artista
Be Dias — Performer
Beatriz Guerreiro — Atriz, encenadora
Benjamim — Músico
Bordalo II — Artista plástico
Bruno Alexandre — Coreógrafo
Bruno Ferreira — Realizador
Carla Bolito — Atriz
Carla Veríssimo — Escritora
Carlota Lagido — Bailarina, coreógrafa
Catarina Aidos — Projecto artístico-pedagógico
Catarina Amaral — Produtora
Catarina Florido — Tatuadora e artista visual
Catarina Laranjeiro — Realizadora
Catarina Sobral — Produtora cultural
Catarina Vasconcelos — Realizadora
Catherina — Artista multidisciplinar
Célia Teixeira — Cantora e atriz
Chullage — Músico
Clara Rio — Encenadora, marionetas
Cláudia Dias — Coreógrafa
Cláudia Varejão — Realizadora
Constança Ochoa — Cantora
Cristina Clara — Cantora
Cristina Sampaio — Cartunista
Cru Encarnação — Performer
Daniel Salvador — Realizador, artista visual
David Santos (Noiserv) — Cantor
Débora Pinho Mateus — Produtora e Programadora Cultural
Diana Costa e Silva — Atriz
Diana Niepce — Bailarina, coreógrafa
Diego Bragà — Cantora e compositora
Diogo Bento — Artista, fotógrafo, educador
Diogo Faro — Humorista
Diogo Pereira — Realizador e fotógrafo
Dulce Fernandes — Realizadora
Éme — Músico
Fabiana Injai — Bailarina
Fado Bicha — Banda
Fernando Júdice — Músico
Filipa Bossuet — Artista visual e performer
Filipa Francisco — Coreógrafa
Filipe Baptista — Artista transdisciplinar
Filipe Baracho — Bailarino
Francisca Mantas Pinto — Bailarina
Francisca Sousa — Artista plástica
Francisco Correia — Músico
Francisco Eduardo — Artista plástico
Francisco Lourenço — Artista plástico
Francisco Rebelo — Músico
Freddy Locks — Músico
Fulvio Capurso — Artista plástico
Gisela Casimiro — Escritora e artista
Graça Castanheira — Realizadora
Guadalupe Portelinha — Escritora
Helena Baronet — Atriz
Helena Silva — Violinista
Hélio Morais — Músico
Henrique Pereira — Designer de Interiores
Henrique Zamith — Músico
Heverton Harieno — Realizador
Hugo Lopes (Cobramor) — Escritor, tradutor, editor, intérprete
Inês Arisca — Artista mural, pintora
Inês Correia — Atriz
Inês Oliveira — Artista plástica
Irma Estopiña — Poeta
Isabel Mões — Atriz, encenadora, dramaturga
Jamila Camará — Atriz
Jo Castro — Artista transdisciplinar
Joana Alegre — Cantora
Joana Cardoso — Diretora de arte
Joana Craveiro — Encenadora, dramaturga, atriz
Joana Seixas — Atriz
Joana Villaverde Cabral — Artista plástica
João Baeta — Artista visual, curador
João Garcia (Iguana Garcia) — Músico
João Grosso — Ator
João Marcelo — Músico
João Morais (O Gajo) — Cantor
João Oliveira — Ator
João Pires de Campos (Flak) — Músico
João Vaz Silva — Produtor cultural
José Farinha — Fotógrafo
José Oliveira — Cineasta
José Vieira — Cineasta
Judite Canha Fernandes — Escritora
Júlia Reis — Música
Leonardo Bindilatti — Músico
Leonardo Garibaldi — Ator, encenador
Leonor Oliveira — Atriz
Lia Rodrigues — Artivista, curadora
Lourenço Crespo — Músico
Luca Argel — Cantor
Luciana Fina — Realizadora
Luís Aniceto — Fotógrafo
Luís Octávio Costa (Kitato) — Fotógrafo
Luís Severo — Cantor
Luísa Fidalgo — Criadora a atriz
Luísa Ortigoso — Atriz
Madalena Saudade e Silva — Produtora
Makoto Yagyu — Músico e produtor musical
Manuel Maria Carvalho Aguiar — Ator amador
Margarida Viamonte — Atriz
Margaux Dauby — Realizadora
Maria Reis — Música
Mariana Pita — Música
Marta Fonseca — Guitarrista
Marta Nunes — Ilustradora
Martim Pedroso — Ator, encenador e professor
Marum — Músico e DJ
Maurícia Neves — artista, coreógrafa, performer
Máximo — Músico
Miguel Abras — Músico
Miguel Angelo Ribeiro da Cruz — Ator
Miguel Canaverde — Artista visual
Miguel Carriço — Fotógrafo
Miguel Flor — Artista
Miguel Nunes — Ator
Moxila — Músico
Mrika Sefa — Pianista
Nadja Firmino — Artista
Nicholas MacNair — Compositor
Nuno Alexandre Ferreira — Artista plástico
Nuno Baltasar — Criador de moda
Nuno Calado — Radialista
Nuno Castro Paiva — Arquitecto
Nuno Coelho — Artista
Nuno Saraiva — Cartunista
Nuno Teixeira — Ator
Nuno Viegas — Artista plástico
Odete — Artista
Patrícia Andrade — Atriz
Patrícia Paixão — Atriz, criadora, produtora
Pedro Afonso — Músico
Pedro Boleo — Músico
Pedro Isidro — Agente
Pedro Jóia — Músico
Pedro Silva Sena — Escritor
Pietro Romano — Dramaturgo
Rafael Rasquinho — Marceneiro
Raquel Bravo — Produtora Cultural
Raquel Freire — Realizadora, escritora
Raquel Palmira Lima — Poetisa
Rebecca Mateus — Performer, bailarina
Ricardo Jacinto — Músico, artista plástico
Ricardo Raposo — Ator
Rita Andrade — Pintora
Rita Burmester — Fotógrafa
Rita Carolina Silva — Artista
Rita Pereira (Rita Maomenos) — DJ, produtora
Rita Redshoes — Cantora
Rogério Oliveira (Boémia ) — Cantor
Ruben Zakoyan (Razallax) — Artista multidisciplinar
Rui Xavier Costa — Produtor musical
Sallim — Músico
São José Lapa — Atriz, encenadora
Sara Gonçalves — Atriz, encenadora
Sasha Li — Performer
Scúru Fitchádu — Músico
Sérgio Duarte — Humorista
Sérgio Filipe Silva — Videógrafo
Sérgio Godinho — Músico, cantor
Sérgio Machado Letria — Produtor, diretor da Fundação José Saramago
Sérgio Tréfaut — Realizador
Sílvio Ren — Músico
Simone Roberto — Ilustradora
Sofia Aparício — Atriz
Soraia Simões de Andrade — Escritora e investigadora
Susana Chiocca — Artista
Susana Domingos Gaspar — Bailarina, coreógrafa
Susana Travassos — Cantora
Tamara Alves — Artista visual
Teresa Mello Sampayo — Atriz
Thomas Attar Bellier — Produtor musical
Tiago Azevedo e Silva — Músico, diretor artístico do Porto Cello Festival
Tiago Figueiredo — Fotógrafo, realizador
Tiago Mota — Cantor
Tiago Pereira — Realizador (A música portuguesa a gostar dela própria)
Tiago Sousa — Músico
Tino Flores — Cantautor
Tó Trips — Músico
Tomás Seatra (Tamales) — Cantautor
Vanessa Spencer — Artista musical, performer
Wasted Rita (Rita Gomes) — Artista
Xana Novais — Performer
Yonel Serrano — Bailarino
Acção Cooperativista — Apoio a profissionais da cultura
A Música Portuguesa a gostar dela própria — Associação
Cafetra — Editora de música
Maio Maio Edições — Editora
 
 

É escuro antes do amanhecer, mas o colonialismo de povoamento israelita está no fim

Um artigo de Ilan Pappé

 

A ideia de que o sionismo é um colonialismo de povoamento não é nova. Estudiosos palestinianos na década de 1960, que trabalhavam em Beirute no Centro de Pesquisa da OLP, já haviam entendido que o que estavam a enfrentar na Palestina não era um projecto colonial clássico.  Eles não enquadravam Israel apenas como uma colónia britânica ou americana, mas consideravam-no como um fenómeno que existia noutras partes do mundo, definido como colonialismo de povoamento.  É interessante que durante 20 a 30 anos a noção de sionismo como colonialismo de povoamento desapareceu do discurso político e académico.  Voltou quando estudiosos de outras partes do mundo, nomeadamente da África do Sul, Austrália e América do Norte, chegaram à conclusão de que o sionismo é um fenómeno semelhante ao movimento dos europeus que criaram os Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e África do Sul.  Essa ideia ajuda-nos a entender muito melhor a natureza do projecto sionista na Palestina desde o final do século XIX até hoje, e dá-nos uma ideia do que devemos esperar no futuro.
 
Acho que essa ideia específica na década de 1990, que ligava tão claramente as acções dos colonos europeus, especialmente em lugares como a América do Norte e Austrália, às acções dos colonos que vieram para a Palestina no final do século XIX, elucidou claramente as intenções dos colonos judeus que colonizaram a Palestina e a natureza da resistência palestiniana a essa colonização. Os colonos seguiram a lógica mais importante adoptada pelos movimentos coloniais de povoamento e que é a de que, para criar uma comunidade de colonialismo de povoamento bem-sucedida fora da Europa, é preciso eliminar os nativos no país em que os colonos se estabeleceram. Isso significa que a resistência indígena a essa lógica foi uma luta contra a eliminação, e não apenas pela libertação. Isto é importante quando se pensa no funcionamento do Hamas e de outras operações de resistência palestiniana desde 1948.
 
Os próprios colonos, como é o caso de muitos dos europeus que vieram para a América do Norte, América Central ou Austrália, eram refugiados e vítimas de perseguição. Alguns deles eram menos infelizes e buscavam apenas uma vida e oportunidades melhores. Mas a maioria eram párias na Europa e procuravam criar uma Europa noutro lugar, uma nova Europa, em vez da Europa que não os queria.  Na maioria dos casos, eles escolheram um lugar onde outras pessoas já moravam, os indígenas. E, portanto, o grupo central mais importante entre eles era o dos seus líderes e ideólogos que forneciam justificações religiosas e culturais para a colonização da terra alheia. Some-se a isso a necessidade de contar com um Império para iniciar a colonização e mantê-la, mesmo que na época os colonos se rebelassem contra o império que os ajudava e exigissem e alcançassem a independência, que em muitos casos obtiveram e depois renovaram a sua aliança com o império. A relação anglo-sionista que se transformou numa aliança anglo-israelita é um exemplo disso.
 
A ideia de que se pode remover à força as pessoas da terra que se quer é provavelmente mais compreensível – não justificada – tendo como pano de fundo os séculos XVI, XVII e XVIII – porque foi acompanhada de um apoio total ao imperialismo e ao colonialismo. Foi alimentada pela frequente desumanização dos outros povos não ocidentais, não europeus. Ao desumanizar as pessoas, pode-se removê-las mais facilmente.  O que foi tão único no sionismo como movimento de colonização de povoamento é que ele apareceu na arena internacional num momento em que as pessoas em todo o mundo começavam a mudar de ideia sobre os direitos de remover os povos indígenas, de eliminar os nativos e, portanto, podemos entender o esforço e a energia investida pelos sionistas e, mais tarde, pelo Estado de Israel na tentativa de encobrir o verdadeiro objectivo de um movimento de colonialismo de povoamento como o sionismo, que foi a eliminação do nativo.
 
Mas, hoje em Gaza, eles estão a eliminar a população nativa diante dos nossos olhos, por isso, como é que quase desistiram da prática de 75 anos a tentar esconder as suas políticas de eliminação?  Para entender isso, temos de apreciar a transformação na natureza do sionismo na Palestina ao longo dos anos.
 
Nas fases iniciais do projecto de colonização de povoamento dos colonos sionistas, os seus dirigentes conduziram as suas políticas de eliminação com uma tentativa genuína de inventar a quadratura do círculo, alegando que era possível construir uma democracia e, ao mesmo tempo, eliminar a população nativa. Havia um forte desejo de pertencer à comunidade das nações civilizadas e os dirigentes assumiram, em particular após o Holocausto, que as políticas de eliminação não iriam excluir Israel dessa associação.
 
Para tentar fazer a quadratura desse círculo, a liderança insistiu que as suas acções de eliminação contra os palestinianos eram uma “retaliação” ou “resposta” contra as acções palestinianas.  Mas, muito em breve, quando essa liderança quis avançar para acções mais substanciais de eliminação, abandonou o falso pretexto de “retaliação” e simplesmente parou de justificar o que fazia.
 
A este respeito, existe uma correlação entre a forma como a limpeza étnica em 1948 se desenvolveu e as operações dos israelitas em Gaza hoje. Em 1948, a liderança justificou para si mesma cada massacre cometido, incluindo o infame massacre de Deir Yassin em 9 de abril, como sendo a reacção a uma acção palestiniana: podia ter sido atirar pedras ao autocarro ou atacar um colonato judeu, mas tinha de ser apresentado interna e externamente como algo que não vem do nada, como legítima defesa. Na verdade, é por isso que o exército israelita é chamado de “Forças de Defesa de Israel”.  Mas, por se tratar de um projecto de colonização de povoamento, não pode contar sempre com a “retaliação”.
 
As forças sionistas iniciaram a limpeza étnica durante a Nakba em fevereiro de 1948. Durante um mês todas essas operações foram apresentadas como retaliações à oposição palestiniana ao plano de partilha da ONU de novembro de 1947. Em 10 de março de 1948, a liderança sionista deixou de falar em retaliação e adoptou um plano geral para a limpeza étnica da Palestina.  De março de 1948 até ao final de 1948, a limpeza étnica da Palestina, que levou à expulsão de metade da população palestiniana, à destruição de metade das suas aldeias e à desarabização da maioria das suas cidades, foi feita como parte de um plano geral sistemático e intencional de limpeza étnica.
 
Da mesma forma, após a ocupação da Cisjordânia e da Faixa de Gaza em junho de 1967, sempre que Israel queria mudar fundamentalmente a realidade ou envolver-se numa operação de limpeza étnica em grande escala, dispensava a necessidade de justificar.
 
Estamos hoje a assistir a um padrão semelhante. No início, as acções foram apresentadas como retaliação à operação Dilúvio de al-Aqsa, mas agora a guerra é chamada de “espada de guerra” com o objectivo de devolver Gaza ao controle directo de Israel, mas limpando etnicamente o seu povo por meio de uma campanha de genocídio.
 
A grande questão é: por que políticos, jornalistas e académicos no ocidente caíram na mesma armadilha em que caíram em 1948? Como podem ainda hoje comprar esta ideia de que Israel está a defender-se na Faixa de Gaza, que está a reagir às acções do dia 7 de outubro?
 
Ou talvez não estejam a cair na armadilha. Talvez saibam que o que Israel está a fazer em Gaza é usar o 7 de outubro como pretexto.
 
Seja como for, até agora, a alegação israelita de um pretexto sempre que ataca os palestinianos ajudou o Estado a sustentar o escudo de imunidade que lhe permitiu prosseguir as suas políticas criminosas sem medo de qualquer reacção significativa da comunidade internacional.  O pretexto ajudou a acentuar a imagem de Israel como parte do mundo democrático e ocidental e, portanto, imune a qualquer condenação e sanções. Todo esse discurso de defesa e retaliação é importante para o escudo de imunidade de que Israel desfruta por parte dos governos do Norte Global.
 
Mas, tal como em 1948, também hoje, Israel, à medida que a sua operação se prolonga, dispensa o pretexto, e é aí que até os seus maiores apoiantes têm dificuldade em apoiar as suas políticas.
 
A magnitude da destruição, os assassinatos em massa em Gaza, o genocídio, estão num nível tal que os israelitas têm cada vez mais dificuldade em persuadir até mesmo a si próprios de que o que estão a fazer é, na verdade, autodefesa ou reação. Assim, é possível que no futuro mais e mais pessoas tenham dificuldade em aceitar esta explicação israelita para o genocídio em Gaza.
 
Para a maioria das pessoas, é claro que o que é necessário é um contexto e não um pretexto. Histórica e ideologicamente, é muito claro que o 7 de outubro é utilizado como pretexto para completar o que o movimento sionista não conseguiu acabar em 1948.
 
Em 1948, o movimento de colonização de povoamento do sionismo usou um conjunto particular de circunstâncias históricas sobre as quais escrevi em detalhe no meu livro A Limpeza Étnica da Palestina, a fim de expulsar metade da população palestiniana. Como já mencionado, eles destruíram metade das aldeias palestinianas no processo, demoliram a maioria das cidades palestinianas e, no entanto, metade dos palestinianos permaneceu dentro da Palestina.  Os palestinianos que se tornaram refugiados fora das fronteiras da Palestina continuaram a resistência e, portanto, o ideal da colonização de povoamento de eliminar o nativo não foi cumprido e gradualmente Israel tem usado todo o seu poder de 1948 até hoje para continuar com a eliminação dos nativos.
 
A eliminação do nativo do início ao fim não inclui apenas uma operação militar, com a qual se ocuparia um lugar, se massacraria pessoas ou as expulsaria.  A eliminação precisa de ser justificada ou tornar-se-á uma inércia e a forma de o fazer é a constante desumanização daqueles que se pretende eliminar.  Não se pode matar pessoas em massa ou realizar o genocídio sobre outro ser humano, sem o desumanizá-lo.  Assim, a desumanização dos palestinianos é uma mensagem explícita e implícita transmitida aos judeus israelitas através do seu sistema educativo, do seu sistema de socialização no exército, dos meios de comunicação social e do discurso político. Esta mensagem tem de ser transmitida e mantida para que a eliminação seja concluída.
 
Assim, estamos a testemunhar uma nova tentativa particularmente cruel de concluir a eliminação. E, no entanto, nem tudo é desesperante. De facto, ironicamente, essa destruição desumana particular de Gaza expõe o fracasso do projecto colonial do sionismo. Isso pode parecer absurdo, porque estou a descrever um conflito entre um pequeno movimento de resistência, o movimento de libertação palestiniano, e um Estado poderoso com uma máquina militar e uma infraestrutura ideológica focada apenas na destruição do povo indígena da Palestina. Esse movimento de libertação não tem uma aliança forte por trás, enquanto o Estado que enfrenta, desfruta de uma aliança poderosa por trás dele – dos Estados Unidos a corporações multinacionais, empresas de segurança da indústria militar, a grande imprensa e a academia mainstream. Estamos a falar de algo que quase soa desesperançado e deprimente porque existe essa imunidade internacional para as políticas de eliminação que começaram desde as fases iniciais do sionismo até hoje. Parecerá provavelmente o pior capítulo da tentativa israelita de levar as políticas de eliminação a um novo tipo de nível, num esforço muito mais concentrado de matar milhares de pessoas num curto período de tempo, como nunca ousaram fazer antes.
 
Então, como pode ser também um momento de esperança? Em primeiro lugar, este tipo de entidade política, um Estado, que tem de manter a desumanização dos palestinianos para justificar a sua eliminação é uma base muito frágil se olharmos para um futuro mais distante.
 
Essa fraqueza estrutural já era aparente antes do dia 7 de outubro e parte dessa fraqueza é o facto de que, se tirarmos o projecto de eliminação, há muito pouco que una o grupo de pessoas que se definem como a nação judaica em Israel.
 
Excluindo a necessidade de lutar e eliminar os palestinianos, restam dois campos judaicos em guerra, que vimos realmente a lutar nas ruas de Telavive e Jerusalém até 6 de outubro de 2023.  Grandes manifestações dos judeus laicos, aqueles que se descrevem como judeus laicos – principalmente de origem europeia –, que acreditam que é possível criar um Estado democrático pluralista mantendo a ocupação e o apartheid em relação aos palestinianos dentro de Israel, estavam a enfrentar um novo tipo messiânico de sionismo que se desenvolveu nos colonatos judaicos na Cisjordânia, o que chamei noutras ocasiões de estado da Judeia, que, de repente, apareceu no nosso meio e acredita que eles agora têm uma forma de criar uma espécie de teocracia sionista sem consideração pela democracia, acreditando que esta é a única visão para um futuro Estado judaico.
 
Não há nada em comum entre essas duas visões além de uma coisa: ambos os campos não se importam com os palestinianos, ambos os campos acreditam que a sobrevivência de Israel depende da continuação das políticas de eliminação em relação aos palestinianos.  Isso não se vai sustentar.  Isso vai desintegrar-se e implodir de dentro, porque não se pode, no século XXI, manter unidos um Estado e uma sociedade com base no facto de o seu sentimento comum de pertença fazer parte de um projecto genocida de eliminação. Pode funcionar para alguns, certamente, mas não pode funcionar para todos.
 
Já vimos os indícios disso antes de 7 de outubro, como os israelitas que têm oportunidades noutras partes do mundo devido à sua dupla nacionalidade, profissões e capacidades financeiras, estão a pensar seriamente em deslocar o seu dinheiro e a si próprios para fora do Estado de Israel.  O que lhe restará é uma sociedade economicamente fraca, liderada por esse tipo de fusão do sionismo messiânico com racismo e políticas de eliminação em relação aos palestinianos. Sim, o equilíbrio de poder a princípio estaria do lado da eliminação, e não das vítimas da eliminação, mas o equilíbrio de poder não é apenas local, o equilíbrio de poder é regional e internacional, e quanto mais opressivas forem as políticas de eliminação (e é terrível dizê-lo, mas é verdade), menos poderão ser encobertas como uma “resposta” ou “retaliação” e mais serão vistas como uma política de genocídio brutal. Assim, é menos provável que a imunidade de que Israel desfruta hoje continue no futuro.Então, eu realmente acho que neste momento muito sombrio que estamos a viver – e é um momento sombrio, porque a eliminação dos palestinianos passou para um novo nível, sem precedentes. Em termos do discurso empregado por Israel, da intensidade e do propósito das políticas de eliminação – não houve um período como esse na história, esta é uma nova fase da brutalidade contra os palestinianos.  Mesmo a Nakba, que foi uma catástrofe inimaginável, não se compara ao que estamos a ver agora e ao que veremos nos próximos meses.  Penso que estamos nos primeiros três meses de um período de dois anos em que testemunharemos o pior tipo de horrores que Israel pode infligir aos palestinos.
 
Mas mesmo neste momento sombrio devemos entender que os projectos coloniais que se desintegram estão sempre a usar o pior tipo de meios para tentar salvar o seu projecto. Isso aconteceu na África do Sul e no Vietnam do Sul. Não estou a dizer isto como um desejo e não estou a dizê-lo enquanto activista político: digo-o na qualidade de estudioso de Israel e da Palestina com toda a confiança das minhas qualificações académicas. Com base num exame profissional sóbrio, afirmo que estamos a testemunhar o fim do projecto sionista, sem qualquer dúvida.
 
Este projecto histórico chegou ao fim e é um fim violento – tais projectos geralmente desmoronam violentamente e, portanto, é um momento muito perigoso para as suas vítimas, e as vítimas são sempre os palestinianos juntamente com os judeus, porque os judeus também são vítimas do sionismo. Assim, o processo de colapso não é apenas um momento de esperança, é também o amanhecer que irromperá após a escuridão, e é a luz no final do túnel.
 
Um colapso como este, no entanto, produz um vazio. O vazio aparece de repente; é como um muro que é lentamente corroído por fissuras, mas que depois desaba num curto momento. E é preciso estarmos preparados para esses colapsos, para o desaparecimento de um Estado ou para a desintegração de um projecto de colonização de povoamento. Vimos o que aconteceu no mundo árabe, quando o caos do vazio não foi preenchido por nenhum projecto construtivo e alternativo. Num caso desses, o caos continua.
 
Uma coisa é certa: quem pensa numa alternativa ao Estado sionista não deve procurar na Europa ou no Ocidente modelos que substituam o Estado em colapso. Há modelos muito melhores que são locais e são legados dos passados recentes e mais distantes do Mashraq (o Mediterrâneo oriental) e do mundo árabe no seu conjuntp. O longo período otomano tem tais modelos e legados que podem ajudar-nos a trazer ideias do passado para olhar para o futuro.
 
Esses modelos podem ajudar-nos a construir um tipo muito diferente de sociedade que respeite as identidades colectivas, bem como os direitos individuais, e que seja construída de raiz como um novo tipo de modelo que beneficia da aprendizagem com os erros da descolonização em muitas partes do mundo, incluindo no mundo árabe e na África. Espera-se que isso crie um tipo diferente de entidade política que teria um impacto enorme e positivo no mundo árabe como um todo.
 
Publicado em: Brave New Europe
https://braveneweurope.com/ilan-pappe-it-is-dark-before-the-dawn-but-israeli-settler-colonialism-is-at-an-end
 
 
 

Apelo de artistas pela exclusão de Israel da Eurovisão

É urgente parar o massacre e nós podemos contribuir para o isolamento político de Israel.
Assine esta carta respondendo para o email comitepalestina@bdsportugal.org
Divulgue-a junto de mais artistas. Recolhemos assinaturas até dia 6 de março.
 
CARTA ABERTA DE ARTISTAS

PARA QUE ISRAEL SEJA BANIDO DO FESTIVAL DA CANÇÃO 2024

 
 

Nós, trabalhadores da arte em Portugal, apelamos à RTP que exija à European Broadcasting Union (EBU), entidade organizadora do Festival da Canção, que proíba a participação de Israel no evento até que Israel respeite o direito internacional, ou que boicote o Festival em caso de recusa. 

 

Unimos as nossas vozes nesta carta aberta para, em conjunto, quebrarmos o silêncio que impregna a maioria das instituições culturais do país em relação ao genocídio em curso do Estado de Israel contra a população palestiniana. 

 

Apontamos para a hipocrisia da EBU, que baniu a Rússia no dia seguinte à sua invasão e ocupação da Ucrânia, mas que insiste na participação de Israel apesar da sua ocupação da Palestina e opressão do povo palestiniano que dura há mais de meio século. 

 

O Tribunal Penal Internacional advertiu para um “plausível” genocídio de Israel contra o povo palestiniano em Gaza, que até agora sofreu mais de 30.000 mortes, das quais pelo menos 12.300 são crianças. Os crimes de guerra perpetrados por Israel incluem o ataque intencional a instalações civis, como escolas, universidades e hospitais, a recusa de ajuda humanitária e o uso deliberado e ilegal de armas explosivas e fósforo branco contra civis. 

 

Como parte do seu genocídio cultural, Israel matou artistas, escritores e poetas, destruiu ou danificou um património histórico singular, como a mesquita de al-Omari do século 14, a igreja de São Porfírio, a terceira mais antiga do mundo, o Museum Nacional de Gaza com mais de 3.000 antiguidades raras, assim como centros culturais, teatros e bibliotecas.  

 

A somar a estes, a deslocação forçada, o corte de água, alimentos e combustível e o emprego da “fome como arma de guerra”, de acordo com a Oxfam.  Este é um genocídio a ser divulgado em live stream nas redes sociais. Ninguém poderá um dia dizer “eu não sabia”.

 

Reconhecemos que o massacre em curso é apenas a última etapa de uma estratégia mais vasta de limpeza étnica, promovida pelas políticas sionistas e desenvolvida ao longo de 75 anos de ocupação colonial, que priva o povo palestiniano dos seus direitos, sob um regime de apartheid, reconhecido pela Amnistia Internacional, com violações repetidas e impunes do direito internacional e das resoluções da ONU.

 

A emissora estatal israelita Kan publicou recentemente um vídeo arrepiante e genocida de crianças israelitas a cantar: "Vamos aniquilá-los todos [palestinianos de Gaza]". Só este facto já deveria ter justificado a expulsão de Kan da Eurovisão. A emissora continua a ignorar a decisão do Tribunal Penal Internacional para que Israel termine o incitamento genocída contra o povo palestiniano. 

 

Respondendo ao apelo palestiniano e seguindo o exemplo de centenas de artistas da Finlândia, Islândia, Itália e outros países, parte de uma crescente onda de indignação e de protesto, apelamos à RTP para que pressione de imediato a EBU a excluir Israel do Festival Eurovisão ou, em caso de recusa, que boicote o Festival. 

 

Convidamos pessoas, associações e outros colectivos do sector artístico e cultural português a assinar esta carta connosco, comprometendo-se a recusar colaborações com instituições culturais cúmplices israelitas ou a actuar em Israel, e apoiando a luta pela justiça e autodeterminação do povo palestiniano, reconhecendo que é o seu próprio direito à existência que está a ser negado por Israel.

 
 
 

A Palestina apela à proibição de Israel no Festival da Canção

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A Campanha Palestiniana para o Boicote Académico e Cultural de Israel (PACBI) e o Sindicato dos Jornalistas Palestinianos apelam à European Broadcasting Union (EBU) para que proíba a participação de Israel no Festival Eurovisão da Canção - o maior evento de música ao vivo do mundo - sob pena de um boicote generalizado.

Israel, considerado um Estado de apartheid pelas principais organizações de direitos humanos a nível mundial, é acusado pela África do Sul, apoiada por dezenas de Estados, de genocídio contra os palestinianos em Gaza no Tribunal Internacional de Justiça.

Um alto funcionário da ONU responsável pelos direitos humanos e um proeminente académico israelita que estuda o Holocausto e o genocídio descreveram a guerra de Israel contra os 2,3 milhões de palestinianos da Faixa de Gaza ocupada e sitiada como "um caso exemplar de genocídio". Dezenas de peritos das Nações Unidas e centenas de académicos de direito internacional alertaram também para "um genocídio em curso".

Muito antes do genocídio israelita em curso, a PACBI, membro fundador do Comité Nacional Palestiniano de BDS (BNC), a maior coligação da sociedade palestiniana que lidera o movimento global BDS, apelou à suspensão da participação de Israel na Eurovisão.

Dizia ela que “ao sancionar a Rússia pela invasão da Ucrânia, que tinha ocorrido apenas uns dias antes, e ao proteger o apartheid israelita da responsabilização, apesar do seu regime de décadas de opressão contra os palestinianos, os organizadores da Eurovisão e a EBU demonstram um desrespeito absolutamente hipócrita, racista e colonial pela vida palestiniana".

Se a EBU não conseguir banir o apartheid israelita da Eurovisão, os palestinianos e os milhões de pessoas que apoiam a nossa luta de libertação farão campanha para boicotar o festival.

A responsabilização de Israel pelo genocídio e pelo apartheid é mais urgente do que nunca. Dar cobertura cultural ao massacre em massa, por parte de Israel, de dezenas de milhares de palestinianos, quase metade dos quais são crianças, equivaleria a permitir e encobrir crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Seria uma ironia da história, especialmente tendo em conta o passado negro da Europa, com séculos de colonialismo brutal, escravatura e múltiplos genocídios.

De acordo com os meios de comunicação social israelitas, "a conta oficial de Instagram do concurso pré-Eurovisão da Finlândia deu a entender que o país poderá não participar no concurso em maio, na Suécia, devido à 'situação no Médio Oriente'", o que está a ser interpretado como uma alusão a um possível "boicote devido à participação de Israel". As televisões islandesas e eslovenas também manifestaram a sua preocupação com a participação de Israel.

Aplaudimos a Associação Islandesa de Compositores e Letristas, mais de 1.400 artistas finlandeses, clubes oficiais de fãs, vários finalistas e concorrentes da Eurovisão, actuais e anteriores, e o Partido de Esquerda sueco, que já apelaram a que o apartheid israelita fosse banido do concurso, tal como aconteceu com a Rússia. Fazemos eco dos seus apelos.

A emissora estatal israelita Kan publicou recentemente um vídeo arrepiante e genocida de crianças israelitas a cantar: "Vamos aniquilá-los todos [palestinianos de Gaza]". Só este facto já deveria ter justificado a expulsão de Kan da Eurovisão.

Embriagados pela impunidade, responsáveis israelitas chegaram a tentar intimidar publicamente a BBC para que rejeitasse o concorrente do Reino Unido, que já tinha assinado uma carta aberta criticando o genocídio de Israel em Gaza e o cínico pinkwashing do seu regime de apartheid.

A carta que o concorrente do Reino Unido tinha assinado dizia: "nós, enquanto pessoas LGBTQIA+, não podemos deixar que outros usem as nossas lutas pela liberdade com base na sexualidade e na identidade de género como armas para justificar a ocupação sistémica e o genocídio de um povo".

A campanha BDS que durou um ano de boicote contra o facto de Israel acolher a Eurovisão de 2019 em Telavive, capital do apartheid, negou a Israel a sua propaganda de branqueamento. Mais de 100 organizações LGBTQ+, centenas de artistas de renome e milhões de pessoas em toda a Europa apoiaram o boicote.

A cobertura dos principais meios de comunicação social mainstream deu então destaque ao BDS, rotulando o festival de "a Eurovisão mais política" de sempre. Apenas uma parte dos visitantes esperados compareceu. A palavra mais tweetada juntamente com a hashtag oficial da Eurovisão, para além de "Israel", foi "apartheid".

O PACBI apela a todas as pessoas que rejeitam o genocídio e o apartheid a unirem-se e pressionarem a EBU para que Israel seja banido da Eurovisão, e a boicotar o concurso caso isso não aconteça.

 

Judeus pela Paz e Justiça denunciam conferência na Universidade Lusófona

Declaração sobre o patrocínio de um evento de propaganda israelita pela Universidade Lusófona

Num momento em que decorre um massacre e consequente crise humanitária sem precedente em Gaza, a Universidade Lusófona, com o apoio da Embaixada de Israel, organiza um evento alegadamente "sobre História e os Conflitos Regionais Recorrentes no Médio Oriente," cujo orador principal é Gabriel Ben Tasgal, Presidente de HaTzad HaSheni, uma organização cuja missão explícita é a disseminação deliberada de hasbara, i.e, propaganda explicita e unilateralmente pró-Israel, que tem como objetivo contrariar as crescentes críticas à ocupação e ao apartheid israelitas. Este evento contará ainda com o discurso de encerramento de um representante da Embaixada de Israel em Portugal, cuja intervenção se intitula extraordinariamente "Estado de Israel como garantia da estabilidade do Ocidente"! Os outros oradores do programa foram também claramente escolhidos de forma intencional para reiterar as apologias já gastas em defesa da política israelita. Temos de ser claros: isto não é um debate; isto não é uma conferência académica imparcial. Uma verdadeira conferência académica incluiria obviamente outras perspectivas críticas, palestinianas e judaicas, sobre o conflito. Este evento é nada mais nada menos do que um comício político de apoio a um Israel que tem estado envolvido num ato criminoso de vingança e punição colectiva contra o povo de Gaza.  

Estamos chocados com o facto de uma universidade portuguesa estar disposta a comprometer desta forma a sua reputação como instituição académica e estamos chocados com o patrocínio e participação da Lusófona num evento deliberadamente organizado para defender as acções em curso de um Estado que foi justificadamente levado ao Tribunal Internacional de Justiça sob a acusação de genocídio!

Judeus pela Paz e Justiça

“Não em nosso nome!”

 

Statement on Universidade Lusófona’s sponsorship of an Israeli propaganda event

Amid the massacre presently being carried out in Gaza, the Universidade Lusófona, with the support of the Israeli Embassy, is hosting an event purportedly “sobre História e os Conflitos Regionais Recorrentes no Médio Oriente,” whose main speaker is Gabriel Ben Tasgal, Presidente de HaTzad HaSheni, an organization whose explicit mission is the deliberate dissemination of hasbara, i.e., explicitly one-sided pro-Israelpropaganda, that aims at countering the mounting criticism of the Israeli occupation and apartheid. This event will also feature closing remarks by a representative of the Israeli Embassy to Portugal whose talk is extraordinarily entitled “Estado de Israel como garante da estabilidade do Ocidente”! The other speakers on the program have also clearly been intentionally chosen to reiterate worn-out apologetics in defense of Israeli policy. We must be clear: this is not a debate; this is not an impartial academic conference. A genuine academic conference would obviously also include other critical perspectives, Palestinian and Jewish, on the conflict. This event is nothing less than a political rally in support of an Israel that has been engaged in a criminal act of vengeance and collective punishment against the people of Gaza.  

We are shocked that a Portuguese university would be willing to so compromise its reputation as an academic institution in such a manner and we are appalled by Lusófona’s sponsorship and participation in an event deliberately organized to defend the ongoing actions of a state that has justifiably been brought before the International Court of Justice under charges of genocide! 

Judeus pela Paz e Justiça

“Não em nosso nome!”

A decisão do TIJ não está à altura da situação

Um artigo de Ilan Pappé

 

A resposta, na sexta-feira 26 de janeiro de 2024, do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) à iniciativa moral e corajosa da África do Sul, esperando obter uma decisão que pusesse fim ao genocídio dos palestinianos de Gaza, não esteve à altura.

Não subestimo a importância da decisão do Tribunal, pois é verdade que ele confirmou o direito da África do Sul a recorrer ao TIJ e corroborou os factos apresentados, incluindo a hipótese de que as acções de Israel poderiam ser definidas como um genocídio, no sentido da convenção sobre o genocídio. Historicamente, a linguagem e as definições utilizadas pelo TIJ na sua primeira decisão constituirão uma enorme vitória simbólica no caminho da libertação da Palestina.

Mas não é por essa razão que a África do Sul recorreu ao TIJ. A África do Sul queria que o Tribunal pusesse fim ao genocídio. Por conseguinte, de um ponto de vista operacional, o TIJ perdeu uma oportunidade para acabar com o genocídio, principalmente porque continuou a tratar Israel como uma democracia e não como um Estado pária. Há muito que as acções simbólicas já não impressionam os palestinianos, nem ninguém dos que apoiam a luta contra os crimes cometidos pelos países do norte global. As acções contra os Estados párias só têm sentido se tiverem um aspecto concreto.

As medidas concretas enunciadas pelo TIJ limitam-se essencialmente a pedir a Israel que entregue, no prazo de um mês, um relatório sobre as medidas tomadas para prevenir o genocídio em Gaza. Não é de estranhar que o governo israelita já tenha deixado entender que essa exigência não estaria nas suas prioridades e, sobretudo, que ela não teria nenhum impacto sobre as suas políticas no terreno.

Mesmo se o TIJ tivesse exigido, como devia ter feito, um cessar-fogo, teria sido preciso um certo tempo para implementá-lo, tendo em conta a intransigência israelita. Mas nesse caso a mensagem dirigida a Israel teria sido clara e eficaz.

Permissão para cometer um genocídio

É preciso saber que, quando tratamos com Israel, o importante não é o que lhe dizemos, mas a maneira como isso é entendido pelos responsáveis políticos israelitas. A solidariedade ocidental para com Israel, manifestada no dia 7 de outubro 2023, foi entendida pelos seus decisores políticos como uma autorização para cometer um genocídio em Gaza. Da mesma maneira, o facto de optar por um relatório em vez de uma acção concreta é entendido por Israel como uma pancadinha na mão, que dá a Israel pelo menos mais 30 dias para continuar as suas políticas genocidas.

Se assim for o caso, que restará de Gaza dentro de um mês? Qual será a amplitude do genocídio daqui a um mês, se não apenas o ocidente mas também o TIJ recusam apelar a um cessar-fogo imediato? Temo que não seja preciso responder a estas terríveis perguntas.

Mais importante ainda, o crime já foi cometido, não é como se pudéssemos ainda impedi-lo. Por conseguinte, a menos que o TIJ imagine que as acções de Israel possam ser invertidas e corrigidas, ele envia uma mensagem muito confusa. Parece sugerir que, mesmo se estas acções constituem um crime, o TIJ ficaria satisfeito se a carnificina fosse limitada.

O direito internacional falhou na Palestina

Parece que faltou coragem ao TIJ ao abster-se de exigir o que muitos países do sul e muitas pessoas da sociedade civil mundial não pararam de reivindicar ao longo destes três últimos meses.

Se todo este processo terminar com a conclusão habitual, que é a de que o direito internacional não tem o poder de parar a destruição da Palestina e dos palestinianos, isso terá um impacto ainda mais grave sobre a questão palestiniana.

De facto, esta crise de consciência poderia seriamente minar a confiança, já muito débil, do sul global na universalidade do direito. Desde a sua institucionalização definitiva após a Segunda Guerra Mundial, o direito internacional nunca conseguiu tratar o colonialismo como um crime, nem travar os projectos coloniais de povoamento como é o de Israel.

Também se tornou claro que as políticas imperialistas dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha violavam desenvergonhadamente o direito internacional e/ou dele se desviaram completamente. Assim, os Estados Unidos invadiram o Iraque em violação flagrante do direito internacional e a Grã-Bretanha tenciona hoje enviar, com toda a impunidade, os requerentes de asilo para o Ruanda.

No caso da Palestina, ao longo dos 75 anos da Nakba, o direito internacional – pelo intermediário dos seus representantes oficiais e informais, dos seus profissionais e das suas delegações – foi totalmente ineficaz. Não impediu o assassinato de um único palestiniano, não permitiu a libertação de um único preso político palestiniano e não impediu a limpeza étnica da Palestina. De facto, a lista dos seus fracassos é demasiado longa para ser aqui detalhada.

Mas ainda há esperança

Há uma nova lição importante que deveria orientar a nossa actividade e as nossas esperanças no futuro. Já aprendemos que não há esperança de mudança no seio da sociedade israelita, uma lição que foi ignorada pelos que participaram no chamado processo de paz.

A incapacidade da dita comunidade internacional em compreender o ADN da sociedade sionista permitiu a Israel, desde a sua criação, matar progressivamente e massivamente os palestinianos, seja directamente, alvejando-os, seja indirectamente, recusando-lhes qualquer forma de viver.

Esse processo, liderado pelos Estados Unidos, assentava na ideia de que quando a “paz” fosse restabelecida, poder-se-ia obrigar Israel a mudar as suas políticas impiedosas no terreno. Esse raciocínio falacioso desmoronou-se completamente, mesmo se a administração Biden tenta, ultimamente, ressuscitá-lo, assim como alguns raros palestinianos que, por uma razão ou por outra, continuam a acreditar na solução dos dois Estados.

E agora vem a nova lição importante: não só não podemos esperar uma mudança dentro de Israel, como não podemos também contar com o direito internacional para proteger os palestinianos de um genocídio.

Isso não quer dizer, no entanto, que os palestinianos devam renunciar a qualquer esperança de libertação e de descolonização. Pois o projecto sionista está a implodir desde dentro. A sociedade judaica de Israel desintegra-se, a sua economia é débil e a sua imagem internacional deteriora-se. O exército israelita não funcionou em outubro e o governo está em farrapos e incapaz de prestar serviços básicos aos seus cidadãos. Nestas condições, apenas as guerras e os interesses cínicos do ocidente manterão este projecto em vida, mas durante quanto tempo?

Infelizmente, este processo de implosão pode ser longo, brutal e violento, como mostra o que se está a passar neste momento sob os nossos olhos.

Mas não somos apenas espectadores. Os militantes entre nós sabem que temos de duplicar e triplicar tudo o que já estamos a fazer. Continuamos, fora da Palestina, a tentar empurrar o "B" e o "D" de Boicote e Desinvestimento para o "S" de Sanção. Este esforço pode ser intensificado em duas direcções. Por um lado, deveríamos exercer mais pressão sobre os governos do sul para que eles sejam mais activos, em particular nos mundos árabe e muçulmano.

Por outro lado, deveríamos encontrar melhores meios de aumentar a pressão eleitoral sobre os nossos representantes no norte.

Não é necessário dizer à resistência palestiniana o que ela deve fazer para defender-se e defender o seu povo. Não é necessário dizer ao movimento de libertação como elaborar uma estratégia para o futuro. Onde quer que eles estejam, os palestinianos empenhados na luta continuarão a perseverar e a fazer prova de resiliência.

Do que eles realmente precisam, é que os nossos esforços externos sejam mais eficazes, mais realistas e mais audaciosos.

Só podemos admirar o que o movimento de solidariedade com a Palestina já conseguiu, em particular ao longo dos três últimos meses.

E, se os militantes locais e empenhados precisassem de um argumento acrescido para confirmar que o que fazem é essencial e justo, a decisão do TIJ seria um lembrete arrepiante do que está aqui em causa.

Se há uma esperança de parar o genocídio em toda a Palestina histórica, ela reside na capacidade da sociedade civil mundial de se mobilizar. Pois é infelizmente evidente que os governos e os organismos internacionais não querem, ou não podem, fazer nada.

 

Origem da tradução portuguesa: https://www.france-palestine.org/La-decision-de-la-CIJ-est-loin-d-etre-a-la-hauteur-de-la-situation

 

 
 
 

QUER AJUDAR A PALESTINA CONTRA O GENOCÍDIO ISRAELITA?

PARTICIPE NO MOVIMENTO BDS

 

O Comité Nacional Palestiniano do BDS (BNC), a maior coligação da sociedade palestiniana que lidera o movimento global de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), saúda os activistas, as organizações e as instituições de todo o mundo que expressaram solidariedade significativa com a nossa luta urgente para impedir o genocídio de Israel em Gaza, intensificando as campanhas de boicote e desinvestimento. Estender os boicotes a empresas israelitas e multinacionais cúmplices pode ser eficaz se for feito de forma estratégica.

Acabar com toda a cumplicidade estatal, corporativa e institucional com o regime genocida de Israel é mais urgente do que nunca. As nossas vidas e meios de subsistência dependem literalmente disso.

Boicotes estratégicos vs. não estratégicos

As pessoas conscientes de todo o mundo estão legitimamente abaladas, enfurecidas e, às vezes, sentem-se impotentes. Muitas sentem-se compelidas a boicotar todo e qualquer produto e serviço de empresas ligadas de alguma forma a Israel. A proliferação de extensas "listas de boicote" nas redes sociais é um exemplo disso. A questão é como fazer com que os boicotes sejam eficazes e tenham realmente um impacto na responsabilização das empresas pela sua cumplicidade no sofrimento dos palestinianos e palestinianas.

O movimento BDS usa o método historicamente bem-sucedido de boicotes estratégicos, inspirado no movimento anti-apartheid sul-africano, no movimento pelos direitos civis dos EUA, na luta anticolonial indiana, entre outros em todo o mundo.

Devemos concentrar-nos estrategicamente num número relativamente pequeno de empresas e produtos cuidadosamente selecionados para obter o máximo de impacto. Empresas que desempenham um papel claro e directo nos crimes de Israel e nas quais há uma chance real de vitória, como foi o caso, entre outras, da G4S, Veolia, Orange, Ben & Jerry's e Pillsbury. Forçar grandes empresas cúmplices, por meio de campanhas de boicote e desinvestimento estratégicas e sensíveis ao contexto, a acabar com a sua cumplicidade com o apartheid israelita e os crimes de guerra contra o povo palestiniano envia uma mensagem poderosa a centenas de outras empresas cúmplices: "a tua hora vai chegar, então sai antes que seja tarde demais!

Muitas das listas proibitivamente longas que se tornam virais nas redes sociais fazem exactamente o oposto desta abordagem estratégica e com impacto. Elas incluem centenas de empresas, muitas sem evidências confiáveis da sua ligação ao regime de opressão de Israel contra o povo palestiniano, o que as torna ineficazes.

Dito isto, todos os esforços populares pacíficos, inclusive o boicote e o desinvestimento, para responsabilizar todas as empresas (e instituições) realmente cúmplices por apoiarem as graves violações dos direitos palestinianos por parte de Israel são justificados e necessários. É perfeitamente legítimo, por exemplo, boicotar empresas cuja filial ou franchising israelita apoie o genocídio de Israel em Gaza, algumas das quais mencionamos abaixo na secção sobre alvos de boicote orgânico de base.

Além disso, uma empresa ou produto pode fazer muito sentido como alvo de boicote num contexto ou cidade, mas não noutro. Essa sensibilidade ao contexto é um princípio fundamental do nosso movimento. De qualquer forma, todos nós temos uma capacidade humana limitada, e por isso é melhor usá-la da maneira mais eficaz para obter resultados significativos e sustentáveis que possam realmente contribuir para a libertação da Palestina. Portanto, pedimos aos nossos apoiantes que fortaleçam as nossas campanhas direccionadas e boicotem as empresas cúmplices mencionadas no nosso site para maximizar o nosso impacto colectivo.

Abaixo estão listados os objetivos prioritários de boicote do movimento global BDS.

Dividimos esses objetivos em quatro secções:

1. Alvos de boicote de consumidores - O movimento BDS pede um boicote total a essas marcas cuidadosamente selecionadas devido ao histórico comprovado de cumplicidade da empresa com o apartheid israelita.

2. Metas de desinvestimento - O movimento BDS pressiona governos, instituições e fundos de investimento a excluir e desinvestir do maior número possível de empresas cúmplices, especialmente fabricantes de armas, bancos e empresas listadas no banco de dados da ONU de empresas envolvidas nos assentamentos ilegais de Israel, bem como nos bancos de dados WhoProfits e AFSC Investigate de empresas que viabilizam a ocupação. Veja abaixo alguns dos alvos contra os quais estamos a fazer campanha.

3. Alvos de pressão (não boicotes) - O movimento BDS solicita activamente campanhas de lobby contra essas marcas e serviços devido à sua cumplicidade com o apartheid israelita. Por motivos estratégicos, não pedimos um boicote a essas marcas e serviços, mas pedimos estrategicamente aos apoiantes e instituições que exerçam outras formas de pressão sobre eles até que acabem com a sua cumplicidade com o apartheid israelita.

4. Objectivos do boicote orgânico - O movimento BDS não iniciou essas campanhas de boicote de base, mas apoia-as porque essas marcas apoiam abertamente o genocídio de Israel contra o povo palestiniano.

1.1 Alvos do boicote dos consumidores:

Siemens

A Siemens (Alemanha) é a principal empreiteira do Interconector Euro-Ásia, um cabo de eletricidade submarino entre Israel e a UE que está planeado para ligar os colonatos ilegais de Israel nos territórios palestinianos ocupados com a Europa. Os eletrodomésticos da marca Siemens são vendidos em todo o mundo.

Carrefour

O Carrefour (França) é um facilitador do genocídio. O Carrefour-Israel apoiou soldados israelitas que participam no genocídio do povo palestiniano em Gaza com presentes e pacotes pessoais. Em 2022, fez parceria com a empresa israelita Electra Consumer Products e a sua subsidiária Yenot Bitan, ambas implicadas em graves violações contra o povo palestiniano.

AXA

Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, a gigante de seguros AXA (França) tomou medidas específicas contra ela. No entanto, enquanto Israel, um regime de 75 anos de colonização e apartheid, trava uma guerra genocida em Gaza, a AXA continua a investir em bancos israelitas que financiam crimes de guerra e o roubo de terras e recursos naturais palestinianos.

Hewlett Packard Inc (HP Inc)

A HP Inc (EUA) presta serviços aos escritórios dos líderes do genocídio, o primeiro-ministro israelita Netanyahu e o ministro das Finanças Smotrich.

SodaStream

A SodaStream é activamente cúmplice da política israelita de deslocamento da população indígena beduína de Israel no Negev e tem um longo histórico de discriminação racial contra trabalhadores palestinianos.

Ahava

A empresa de cosméticos Ahava tem seu local de produção, centro de visitantes e loja principal num colonato israelita ilegal nos territórios palestinianos ocupados.

RE/MAX

A RE/MAX (EUA) comercializa e vende propriedades em colonatos israelitas ilegais construídos em terras palestinianas roubadas, permitindo a colonização israelita da Cisjordânia ocupada.

Produtos israelitas nos seus supermercados

Frutas, legumes e vinhos enganosamente rotulados como "Produto de Israel" geralmente incluem produtos de colonatos ilegais em terras palestinianas roubadas. As empresas israelitas não fazem distinção entre os dois, e os consumidores também não deveriam fazer. Boicote os produtos israelitas no seu supermercado e exija que eles sejam retirados das prateleiras.

2. Alvos de desinvestimento:

Elbit Systems:

A Elbit Systems é a maior empresa de armas do apartheid israelita. Ela testa as suas armas no terreno, sobre a população palestiniana, inclusive na guerra genocida de Israel em Gaza. Além de construir drones assassinos, a Elbit fabrica tecnologia de vigilância para o muro do apartheid de Israel, postos de controle e a cerca de Gaza, viabilizando o apartheid. Os EUA e a UE usam a tecnologia da Elbit para militarizar as suas fronteiras, violando os direitos dos refugiados e dos povos indígenas.

HD Hyundai/Volvo/CAT/JCB:

As máquinas da HD Hyundai (Coreia do Sul), Volvo (Suécia/China), CAT (EUA) e JCB (Reino Unido) têm sido usadas por Israel na limpeza étnica e no deslocamento forçado de pessoas palestinianas, destruindo as suas casas, quintas e empresas, além de construir colonatos ilegais nas suas terras roubadas, um crime de guerra de acordo com a lei internacional.

Barclays:

O Barclays Bank (Reino Unido) detém mais de £1 bilhão em ações de nove empresas cujas armas, componentes e tecnologia militar têm sido usados na violência armada de Israel contra o povo palestiniano, e fornece mais de £3 bilhões em empréstimos e garantias a essas empresas.

CAF:

A empresa de transporte basca CAF constrói e faz a manutenção do Jerusalem Light Rail (JLR), uma linha de eléctrico que serve os colonatos israelitas ilegais em Jerusalém. A CAF lucra com os crimes de guerra de Israel em terras palestinianas roubadas.

Chevron:

A Chevron, multinacional americana de combustíveis fósseis, é a principal empresa internacional que extrai gás reivindicado pelo apartheid israelita no Mediterrâneo Oriental. A Chevron gera bilhões de receitas, fortalecendo o arsenal de guerra e o sistema de apartheid de Israel e agravando a crise climática.

HikVision:

A Amnistia Internacional documentou câmaras CCTV de alta resolução fabricadas pela empresa chinesa Hikvision instaladas em áreas residenciais e montadas na infraestrutura militar israelita para monitorizar a população palestiniana. Alguns desses modelos, de acordo com o marketing da própria Hikvision, podem ser ligados a um software externo de reconhecimento facial.

TKH Security:

A Amnistia Internacional identificou câmaras fabricadas pela empresa holandesa TKH Security usadas por Israel para vigilância da população palestiniana. A TKH fornece à polícia israelita tecnologia de vigilância que é usada para reforçar o apartheid.

3. Alvos de pressão (não boicotes):

Google e Amazon (EUA):

Enquanto o exército israelita bombardeava casas, clínicas e escolas em Gaza e ameaçava expulsar famílias palestinianas das suas casas na Jerusalém ocupada em maio de 2021, os executivos da Amazon Web Services e da Google Cloud assinaram um contrato de US$ 1,22 bilhão para fornecer tecnologia em nuvem para o governo e as forças armadas israelitas. Ao apoiar o apartheid israelita com tecnologias vitais, a Amazon e a Google estão directamente envolvidas em todo o seu sistema de opressão, incluindo o genocídio em Gaza. Participe na campanha #NoTechForApartheid. Embora as campanhas direccionadas para essas empresas não tenham exigido boicotes, outras formas de pressão foram adoptadas para forçá-las a acabar com a sua cumplicidade.

Airbnb/Booking/Expedia:

A Airbnb (EUA), a Booking.com (Holanda) e a Expedia (EUA) oferecem alugueres em colonatos isaelitas ilegais construídos em terras palestinianas roubadas. Embora as campanhas direccionadas a essas empresas ainda não tenham exigido boicotes, outras formas de pressão foram adoptadas para forçá-las a acabar com sua cumplicidade.

Disney

A Marvel Studios (EUA), de propriedade da Disney, está promovendo um "super-herói" que personifica o apartheid israelita no próximo filme do Capitão América. As duas empresas são, portanto, cúmplices do "racismo anti-palestiniano, da propaganda israelita e da glorificação da violência colonial contra os povos indígenas", conforme declarado por organizações culturais palestinianas.

4. Alvos do boicote orgânico de base:

McDonald's (EUA), Burger King (EUA), Papa John's (EUA), Pizza Hut (EUA), WIX (Israel), etc. são agora alvos em alguns países de campanhas de boicote orgânico de base, não iniciadas pelo movimento BDS. Apoiamos essas campanhas porque essas empresas ou as suas filiais ou franchising em Israel, apoiaram abertamente o apartheid israelita e/ou forneceram generosas doações em espécie ao exército israelita no meio da actual genocídio. Se essas campanhas de base ainda não estiverem organicamente activas na sua área, sugerimos que concentre as suas energias nas nossas campanhas estratégicas mencionadas acima.

Lembre-se de que todos os bancos israelitas e praticamente todas as empresas israelitas são cúmplices, até certo ponto, do sistema de ocupação e apartheid de Israel, e centenas de empresas e bancos internacionais também são profundamente cúmplices. Concentramos os nossos boicotes num pequeno número de empresas e produtos para obter o máximo de impacto.

Recursos adicionais: Para saber mais sobre as empresas cúmplices das violações dos direitos humanos por Israel, visite Who Profits, Investigate e o banco de dados da ONU sobre empresas envolvidas no empreendimento de colonatos ilegais de Israel.

 

A partir da versão traduzida no Brasil e do original em inglês:

https://bdsmovement.net/Act-Now-Against-These-Companies-Profiting-From-Genocide

Rashida Tlaib: “Hoje, estou a pensar em Nelson Mandela”

Publicamos aqui o discurso de Rashida Tlaib, congressista dos EUA eleita pelo Michigan e membro do partido Democratic Socialists of America.

 

O texto foi traduzido do site:

https://jacobin.com/2024/01/rashida-tlaib-gaza-genocide-case?fbclid=IwAR1fT0aaPcbGkeV6WYTKhFWkx5p_dp7svJkvJ-DZqPqDtoA6hciisZHGVeE

 

 

Hoje, Senhor Presidente do Congresso, a África do Sul apresentará a sua queixa contra o governo israelita no Tribunal Internacional de Justiça. Peço a aprovação unânime para que o caso fique registado em acta.

 

É incrivelmente poderoso ver pessoas que derrotaram o apartheid no seu próprio país a responsabilizarem o regime de apartheid israelita pelo seu crime de genocídio em Gaza. Hoje, estou a pensar nas poderosas palavras de Nelson Mandela: "Sabemos muito bem que a nossa liberdade está incompleta sem a liberdade dos palestinianos".

 

Esta semana, o Secretário de Estado Blinken considerou o caso "sem mérito". Por isso, deixem-me ler directamente do processo, começando na página 59, "Expressões de intenção genocida contra o povo palestiniano por parte de funcionários israelitas", para que possam ouvir directamente os funcionários israelitas nas suas próprias palavras, não nas minhas.

 

O presidente Herzog disse: "É uma nação inteira que é responsável. Não é verdade, esta retórica de que os civis não estão conscientes, não estão envolvidos. Não é absolutamente verdade... e lutaremos até lhes quebrarmos a espinha dorsal".

É um dos muitos funcionários israelitas que têm mensagens escritas à mão nas bombas que vão ser lançadas sobre as crianças de Gaza.

Benjamin Netanyahu disse nas suas próprias palavras: "Uma luta entre os filhos da luz e os filhos das trevas, entre a humanidade e a lei da selva". E continua: "Esta é uma batalha não só de Israel contra estes bárbaros, é uma batalha da civilização contra a barbárie".

O ministro da Defesa de Israel disse: "Impor um cerco completo a Gaza. Sem eletricidade, sem comida, sem água. . . . Tudo está fechado", diz ele. "Estamos a lutar contra animais humanos".

Mais uma vez, uma citação direta do ministro da Defesa. Ele continua dizendo: "Gaza não voltará a ser o que era antes. Vamos eliminar tudo".

O ministro israelita da Segurança Nacional - mais uma vez, um funcionário do governo israelita - falando dos que vivem em Gaza, disse: "São todos terroristas e também devem ser destruídos".

O ministro israelita da Energia e das Infraestruturas disse: "Toda a população civil de Gaza tem ordem para sair imediatamente. . . Não receberão uma gota de água nem uma única pilha até deixarem o mundo".

O ministro israelita do Património disse: "O norte da Faixa de Gaza está mais bonito do que nunca. Tudo está rebentado e achatado, simplesmente um prazer para os olhos. . . Vamos entregar lotes a todos os que lutaram por Gaza ao longo dos anos".

 

Ainda não acabei.

O ministro israelita da Agricultura disse: "Estamos agora a realizar a Nakba de Gaza".
O vice-presidente do Knesset disse: "Todos temos um objetivo comum - apagar a Faixa de Gaza da face da terra. Os que não conseguirem serão substituídos".

O coordenador do exército israelita para as actividades governamentais nos territórios, falando dos palestinianos que vivem em Gaza, disse: "Os animais humanos são tratados em conformidade."
E um reservista do exército israelita disse: "Não deixem ninguém para trás. Apaguem a memória deles. Apaguem-nos a eles, às suas famílias, mães e filhos. Estes animais já não podem viver... Deixem-nos lançar bombas sobre eles e apaguem-nos."

Sr. Presidente do Congresso, gostaria de submeter à acta do Congresso todo o processo sul-africano contra Israel, por genocídio, no Tribunal Internacional de Justiça.

 

Há simplesmente tempo para salvar vidas, para impedir o governo israelita de levar a cabo o genocídio em Gaza.

Este órgão e a administração Biden são cúmplices deste genocídio. O Congresso tem de deixar de financiar o genocídio do povo palestiniano com o dinheiro dos nossos impostos americanos.

 

O REGRESSO DA VELHA TOUPEIRA

A propósito dos túneis de Gaza, um artigo de

Luís Alves de Fraga (coronel reformado da Força Aérea) e António Louçã (jornalista)

 

 

Quando a horda ganhou uma hierarquia, em especial intermédia, transformou-se em exército, em força armada. Quando os exércitos começaram a combater, faziam-no em campo aberto escolhido pelo que primeiro identificava as melhores condições de combate ‒ normalmente, uma planície onde existisse uma elevação para garantir a melhor forma de conduzir as tropas. Uma batalha podia durar do nascer do sol até começar a ser noite. As populações civis só sofriam com a passagem dos exércitos pelas suas aldeias, onde o saque era permitido como forma de reabastecimento logístico dos combatentes.

 

Para além da batalha campal, existiram ao longo dos séculos as guerras de sítio ou cerco. Ocorriam quando um dos oponentes ocupava, em regra, num ponto alto, um castelo. Na Europa (em determinadas circunstâncias, também no Oriente), os castelos constituíam um conjunto de quatro tipos de elementos defensivos: a torre de menagem, as muralhas altas e grossas, o fosso e a barbacã. No primeiro, concentrava-se o senhor ou administrador do castelo, sua família e os cavaleiros mais distintos das hostes; à volta da torre de menagem, desenvolvia-se a construção dos edifícios mais importantes da defesa, cercando-os os grossos muros do castelo onde existiam passeios de guarda, ameias e frestas para arqueiros e, mais tarde, besteiros; rodeando as muralhas havia, normalmente, um fosso cheio de água e com margens quase verticais para impossibilitar a aproximação dos inimigos; seguiam-se terras de cultivo e casas de quem vivia à sombra da defesa do castelo; cercando esse aglomerado existia uma outra muralha não tão alta como a do castelo, chamada barbacã, que constituía a defesa avançada em caso de guerra. Ressalta desta descrição que na guerra de cerco não se movimentavam, praticamente, nenhumas tropas ‒ quem estava dentro do castelo queria sair e quem estava fora queria entrar ‒, passando tudo pelo desgaste de ambas as partes.

 

Usavam-se, nestas épocas distantes, somente duas dimensões: a horizontal e a vertical: quem estava mais alto no terreno via mais longe. Claro que, em séculos muito anteriores ao V, na China já se utilizavam papagaios de papel para, numa espécie de cadeirinha, se elevar um homem suficientemente leve que lá do alto observasse o campo inimigo e fosse capaz de identificar a chamada ordem de batalha por ele adoptada, servindo para os generais decidirem que forças haviam de lançar em primeiro lugar e em que direcção. Este estratagema deu importância à visão vertical. No começo do século XX, não se sabendo bem que utilidade dar aos aviões, eles serviram, antes do mais, como meio de observação.

 

Mas, nas hostes que cercavam os castelos, também se começou a usar a dimensão vertical, embora em sentido inverso: construindo subterrâneos ou túneis para conseguir chegar, pelo menos à muralha principal para, usando cargas de pólvora (quando ela já era conhecida na Europa) fazer derruir uma parte da muralha por onde pudessem entrar os sitiadores. Eram os chamados trabalhos de sapa. Contudo, os sitiados, sabendo desta possibilidade, tinham especialistas para detectar as vibrações do solo junto às muralhas e, procurando adiantar-se ao inimigo usando o mesmo método, destroçá-lo em pleno trabalho e poder, aproveitando os túneis já feitos, levar a cabo pequenas incursões militares quando o inimigo menos esperava.

 

Tudo isto faz parte do estudo da história militar europeia, foi uma forma de cultura que se enraizou ao longo de séculos de guerras.

 

Quando as armas de artilharia e até as individuais melhoraram a sua eficiência, as altas torres e as muralhas inacessíveis tenderam a baixar, ficando a poucos metros do solo e, embora muito mais grossas, perderam a geometria quadrangular ou retangular, para se apresentarem como linhas quebradas sob a forma de estrelas de várias pontas. A vida dos militares passou a fazer-se mais junto ao solo e, até muitas vezes, enterrada.

 

No começo do século XX, entre 1914 e 1918, durante a Primeira Guerra Mundial, na frente ocidental da Europa, numa verdadeira guerra de duplo cerco, os combatentes viveram e morreram em trincheiras e abrigos subterrâneos; a rainha das batalhas foi a artilharia de longo e médio alcance e as princesas foram as metralhadoras ligeiras, pesadas e os morteiros ligeiros. Em todos os combates não se respeitaram nem a propriedade dos civis, nem a sua vida. Anos mais tarde, no período da Segunda Guerra Mundial, as batalhas tanto foram campais como urbanas ou mesmo aéreas. Importante era quebrar a vontade do inimigo, levando-o à exaustão; Estalinegrado foi um excelente exemplo de um cerco em que os sitiantes caíram de cansaço, tal como a de Kursk foi uma batalha campal, ocupando e destruindo, de passagem, cidades e vilas.

 

Em 1945, a vitória dos Aliados, mas em especial a dos EUA e da URSS, estabeleceu novas formas de combate, porque nem em Washington nem em Moscovo, havia vontade de um confronto directo. Passou-se a um novo tipo de guerra: a de guerrilha, onde os chamados insurrectos, em menor número e com armamento mais ligeiro do que o da potência militar dominante, impuseram o desgaste militar, económico, social e moral àqueles que defendiam uma ordem anterior.

 

Em traços muito largos, estão expostos séculos de guerra na Europa. Ora, que história militar têm os EUA? A bem dizer, muito pouca: a da independência, a guerra civil, a guerra contra a Espanha, guerras de ocupação territorial contra o México, as duas intervenções na Europa, já referidas, e a guerra contra o Japão (1941-1945). A verdadeira experiência bélica dos americanos (imigrantes europeus radicados naquele lado do “Novo Mundo”) foi a do extermínio dos índios. Tudo isto constituiu o ingrediente necessário para gerar uma cultura que, parecendo-se com a europeia, diverge dela em muitos e variados aspectos, razão pela qual a maioria dos intelectuais americanos, em especial os das ciências sociais, julgando descobrir novas teses e novas explicações, limitam-se a desenvolver métodos de propaganda que justifiquem as políticas de momento que mais convêm a Washington e ao Pentágono. Está neste caso o senhor Anthony King, com a obra publicada há dois anos, Urban Warfare in the Twenty-First Century.

 

Hoje, são assimétricos todos os conflitos em que intervenha a única superpotência sobrevivente da Guerra Fria - os EUA. E são assimétricos sem retaguarda, ou quase, para o beligerante mais fraco: ao Vietname da segunda metade do século passado, apesar de tudo com algum apoio da China e da URSS, não podem comparar-se o Iraque invadido, a Líbia fragmentada, a Palestina arrasada, todos sem qualquer outra potência que as apoie efectivamente.

 

Além de assimétricos e sem retaguarda são, cada vez mais, urbanos, por várias razões que se encontram meticulosamente analisadas na obra de Anthony King. Desde logo, quando a população mundial afluiu e continua a afluir às cidades, controlá-las deixa de ser mero objecto de manobra táctica, para se tornar desiderato estratégico em todas as guerras.

 

Além desta espectacular mutação demográfica, em curso desde há décadas, há a drástica redução dos efectivos militares, também referida por King. Incapazes de sustentarem linhas de frente com dezenas ou centenas de quilómetros, os exércitos concentram nas cidades as boots que conseguem colocar on the ground, e batem-se sobretudo para controlar as cidades. Segundo King, acabaram-se as grandes batalhas campais e a luta pelas capitais para poder proclamar a vitória. As cidades, pequenas e grandes, capitais ou não, tornam-se o campo de batalha por excelência.

 

E, se há uma revolução na localização dos cenários de guerra, há também uma no modo de encará-los. A urbanização da guerra, diz-nos King, relega para o museu de velharias o velho pensamento bidimensional de estrategas debruçados sobre uma abundante cartografia salpicada de alfinetes com bandeirinhas. Ao transferir-se do campo aberto para labirintos urbanos, o planeamento militar deve ter em conta que as cidades crescem em altura e que passou a ser preciso pensar em termos tridimensionais e volumétricos (embora King relativize a novidade, por já ter havido, desde tempos imemoriais, veleidades de introduzir a guerra aérea e de tirar partido das alturas, como atrás referimos).

 

Mas, perante a agudeza das observações de King, não pode deixar de surpreender-nos que os seus volumetrismo e tridimensionalidade apenas se refiram às alturas e nunca às profundezas. Ele olha os céus e ignora o subsolo - esse subsolo que mereceu a atenção de Pérez-Reverte para combates do capitão Alatriste, de Victor Hugo para a fuga de Jean Valjean e Marius, esse mesmo que não era só literatura e foi via de fuga para os últimos insurrectos do ghetto de Varsóvia.

 

Hoje, a resistência palestiniana em Gaza aí está para recordar-nos que há um mundo debaixo dos nossos pés. Esse mundo tem sido o cenário de uma guerra prolongada, muito antes do 7 de outubro. A rede de túneis construída pelos palestinianos tem sido o sistema vascular que lhes permite o abastecimento da Faixa. Nos interregnos entre as campanhas de bombardeamento israelita, Gaza tem continuado a ser, simultaneamente, um campo de concentração a céu aberto e uma praça sitiada por todos os lados. A luta para sobreviver tem sido uma guerra económica permanente. A mitificação dos túneis como sistema de agressão contra Israel é apenas uma tentativa de ocultar que eles têm sido um mecanismo essencial para o povo de Gaza poder defender-se - primeiro contra a fome, depois contra os bombardeamentos aéreos.

 

Parece que a infantaria israelita, guardada em segurança para um momento em que Gaza já se encontrasse terraplanada e qualquer prédio de habitação, creche, escola, hospital ou edifício público já estivessem destruídos, tem tido surpresas ao pensar que estava finalmente a apoderar-se de um enorme cemitério. E também pode ser que essas surpresas sejam riscos mais ou menos calculados e com perdas que o Estado-Maior israelita considerou toleráveis para a sua carne de canhão. Mas, ainda assim, os últimos redutos da resistência palestiniana terão sido, como no ghetto de Varsóvia, as catacumbas em que os derradeiros sobreviventes conseguem perseverar.

 

A metáfora marxista da velha toupeira, inspirada nas tradições do proletariado mineiro, revigorada ao longo dos anos por exemplos como a Comuna das Astúrias em 1934 ou a greve mineira inglesa em 1984, tinha entre outros méritos o de lembrar-nos que num mundo cheio de Trumps, Bolsonaros, Mileis e Netanyahus, há uma realidade invisível, ou menos visível, que vai amadurecendo e que pode haver nas entranhas da terra um futuro diferente a gestar-se. A resistência palestiniana tem mostrado que até o mais sofisticado e o mais actualizado pensamento geoestratégico pode passar ao lado de algo essencial.

 

 

Carta aberta de profissionais de saúde pela Palestina

Mais de 150 profissionais das diferentes áreas da saúde assinam uma carta aberta pelo cessar-fogo, definitivo e incondicional, em Gaza e pela libertação da Palestina.

Os sucessivos ataques, intencionais e sistemáticos, por parte do estado de Israel a infraestruturas civis já levaram ao assassinato de 14 mil pessoas, das quais 5.600 (40%) são crianças. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o estado de Israel atacou mais de 164 infraestruturas médicas e foram mortos mais de 220 profissionais de saúde em Gaza.

Os profissionais de saúde que assinam esta carta recusam-se a compactuar com o apoio a crimes de guerra que massacram e punem coletivamente toda a população de Gaza e rejeitam permanecer em silêncio perante a violência e o assassinato intencional de colegas de profissão e a destruição de hospitais.

Esta carta aberta é direcionada às diferentes ordens profissionais da saúde para que se posicionem acerca dos ataques em curso em Gaza e que intercedam junto do governo pelo cessar-fogo, definitivo e incondicional, pelo fim do bloqueio em Gaza e do regime de apartheid imposto pelo estado de Israel na Palestina.

A carta pode ser assinada por profissionais de saúde via formulário: https://forms.gle/tKm3ARJsVVktgu8L8 [link na biografia].

Pausas humanitárias não chegam e os hospitais não são um alvo.
Cessar-fogo já! Palestina livre já!

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