Cronistas geminadas
Comité de Solidariedade com a Palestina
A pretexto de tudo valer nos artigos de opinião, o “Público” continua a dar guarida a uma sistemática desinformação sobre a ofensiva israelita contra Gaza. Nem a contradição gritante entre alguns dos seus fazedores de opinião e as excelentes reportagens que até aqui deu à estampa tem coibido o “Público” de entronizar Esther Mucznik, a “investigadora em assuntos judaicos”, e Helena Matos, a “jornalista”, como vozes autorizadas sobre o assunto.
Assim, foi silenciada nas páginas do jornal a rectificação sobre falsidades espalhadas por Helena Matos, que este comité enviou primeiro como carta ao director e depois como carta ao provedor do leitor.
Do mesmo modo, ficará certamente sem eco no “Público” a rectificação deste comité sobre as falsidades contidas no artigo de Esther Mucznik de 29 de Janeiro. Mas rectificamo-las, a começar por aquelas que se desmentem a si próprias: Mucznik afirma a dado passo que a ofensiva israelita serviu para “revelar ao mundo a gigantesca extensão dos túneis de contrabando de armas” (e aproveita para lamentar o fim da ocupação da Faixa em 2005). Logo a seguir, afirma contudo que o Hamas lucra todos os meses uns seis a oito milhões de euros em taxas pela utilização dos túneis. Ora, se os túneis se destinassem principalmente ao contrabando de armas, seria o Hamas o principal destinatário dessas armas e mal se compreenderia que lucrasse com taxas cobradas ... a si próprio.
A verdade está muito clara nos trabalhos de Alexandra Lucas Coelho, que mostram como os túneis são um meio de sobrevivência para a população civil de Gaza. Através deles se obtém tudo o que é indispensável à vida do dia-a-dia. É de admitir que as receitas cobradas pelo Hamas sejam elevadas, porque a população está disposta a pagar tudo o que pode por bens de primeiríssima necessidade. E a obsessão dos políticos e militares israelitas em cortarem essa veia jugular da vida na Faixa explica-se, não por quererem impedir um tráfico de armas residual, mas por quererem sufocar a população civil e obrigá-la a partir para sempre. A sanha israelita contra os túneis faz parte da estratégia de limpeza étnica e de genocídio.
Mas, se Mucznik se contradiz de linha para linha e de cada palavra para a seguinte, já a sua coordenação com Helena Matos é perfeita. Ambas escrevem na mesma edição do “Público” contra a resolução pela geminação entre a capital portuguesa e a capital da Faixa de Gaza, aprovada na Assembleia Municipal de Lisboa. Helena Matos limita-se a um gracejo de mau gosto sobre os túneis e sobre Sá Fernandes – um trocadilho mais próprio para jogos florais dalguma colectividade decadente do que para comentar a morte de centenas de pessoas.
Mucznik, pelo contrário, quer ser séria e dá um puxão de orelhas, não apenas aos partidos de esquerda, mas também ao PS, PSD e CDS por se terem abstido. Se fossem apenas os de esquerda, o problema talvez se resolvesse com facilidade, proibindo-os de concorrerem às eleições, como ainda há pouco tempo o parlamento israelita decidiu a propósito dos partidos árabes contrários ao massacre de Gaza. Mas levantar-se, de dedo em riste, contra TODOS os partidos da democracia portuguesa, já é talvez ter mais olhos que barriga. Ou irão esses partidos todos e mais o “Público” como jornal de referência obedecer à intimação contida no artigo de Mucznik?
O Comité de Solidariedade com a Palestina, que lançou a campanha pela geminação entre as duas cidades, congratula-se por não existir ainda em Portugal uma "democracia" como a israelita, baseada na limpeza étnica e no silenciamento das vozes discordantes.