Israel endureceu hoje o bloqueio à Faixa de Gaza controlada pelo Hamas em resposta aos disparos de morteiro do outro lado da fronteira e passou a impedir mesmo os fornecimentos humanitários de entrarem, segundo funcionários.
A decisão veio depois de Israel anunciar um alargamento da sua campanha militar contra os combatentes de Gaza que dispararam mais de 110 morteiros contra o Sul de Israel nos últimos três dias.
Um míssil israelita matou hoje de manhã pelo menos um militante no Norte de Gaza. Na cidade cisjordana de Nablus, tropas israelitas mataram um militante ligado ao movimento Fatah, do presidente palestiniano Mahmoud Abbas.
A escalada da violência levou o governo de Abbas na Margem Ocidental, apoiado pelo ocidente, a avisar que estavam em perigo novas conversações de paz, iniciadas na semana passada com a visita do presidente do EUA, George W. Bush.
A agência da ONU para assistência (UNRWA), que fornece comida aos refugiados palestinianos em Gaza, disse que não foi autorizada a entregar camiões de fornecimentos humanitários na 6ª feira de manhã, como habitualmente faz.
"Gaza está completamente fechada. Isto só vai agravar uma situação já de si dramática" afirmou o porta-voz da UNRWA, Christopher Gunness.
Israel já impôs uma redução drástica na entrega a Gaza de bens não-humanitários desde Junho, quando os islamitas do Hamas tomaram o controlo do território costeiro, depois de afastarem a facção secular da Fatah, de Abbas.
O prémio para o comentário mais cínico vai para o presidente George W. Bush, que em Ramallah disse sobre os pontos de passagem das Forças de Defesa de Israel: “Vocês gostarão de saber que a minha comitiva automóvel com 45 carros pôde atravaessar tudo sem nunca ser detida”. Claro que ele estava a ser irónico mas, mesmo se acrescentou que não tinha “bem a certeza que isso suceda a qualquer pessoa”, alguém devia lembrar-lhe que na casa do enforcado não se fala em corda. Muito bem, estamos então perante uma falta de compreensão política e humana, mas não haverá também aqui uma ponta de sensibilidade e de empatia?
Esta cínica observação impressionou muito pouco os que a ouviram. Ao fim e ao cabo, as pessoas que se encontraram com Bush não são as que se sujeitam às humilhações que milhares sofrem todos os dias nas barragens e pode ser que recebam mesmo um tratamento VIP. Porque é que essas pessoas haviam de mostrar-se descontentes com um disparate espontâneo, se não acham necessário reagir a uma coisa estúpida que alguém no séquito de Bush formulou para o presidente? “Um queijo suíço não vai funcionar, quando se tratar de definir um Estado. Estou a falar a sério”, dissera Bush. Logo depois, ele disse que o desenho da futura fronteira vai reflectir a realidade actual. Mas é a realidade dos colonatos que criou o “queijo suíço”.
E, na verdade, para quê discutir minudências se o próprio evento é a encarnação do cinismo? O presidente dos EUA visita um punhado de palestinianos que se embrulham em títulos pomposos, como se representassem uma autoridade soberana, e discute com eles sobre a paz que conduzirá ao estabelecimento de um Estado palestiniano dentro de um ano. Estes dirigentes devem a sua existência à protecção da ocupação israelita – que, evidentemente, condename sobre a qual conseguiram arrancar ao presidente o comentário de que “temos de acabar com ela”. E devem a sua sobrevivência a uma ajuda financeira sem precedentes.
Com um cinismo pasmoso, têm a pretensão de conduzir negociações para pôr fim ao conflito, quando nem sequer representam um quarto da população palestiniana – a parte que vive na Margem Ocidental. Estão a discutir as “questões centrais” do conflito quando o que é central nos seus esforços é conseguir a enorme soma de dinheiro que lhes foi prometida na Conferência de Paris. Esse dinheiro só chegará às mãos deles se se concentrarem na aparência das negociações. Esses biliões permitir-lhes-ão continuar a alimentar a sua inchadíssima burocracia e o seu sistema de doações caritativas que cobre a maioria da população da Margem Ocidental. Mas é impossível alguém vir queixar-se a um punhado de falhados que estão só a tentar sobreviver. O dirigente da única superpotência está a usá-los para melhorar a sua própria posição. Claramente, quando já não precisar deles e achar que já não tem qualquer utilidade a dar-lhes, vai despachá-los sem um instante de hesitação.
Bush e Abu Mazen (o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmud Abbas), para quem o cinismo é um meio de sobrevivência, são acompanhados pelo maior de todos os cínicos, que fez do cinismo uma arte. O primeiro-ministro Ehud Olmert pode dar lições a Bush e Abbas sobre como tecer uma história que explora as esperanças de um povo ingénuo e se apoia no sentimento de que as pessoas importantes estão ocupadas com alguma coisa. É um sinal de que essa alguma coisa é importante.
O cinismo de Olmert é assombroso. Ele diz coisas bombásticas sobre comofoi “eleito com um plano diplomático amplo, quer levar a cabo um acordo e pretende realizar a sua visão”. Ele conduz negociações sabendo à partida que não pode levá-las por diante e a bom termo, já para não falar de pôr em prática o acordado. Ele dilui intencionalmente a diferença entre um “acordo de gaveta” teórico e um acordo que haja o empenhamento em aplicar. Como nunca obterá o primeiro, não precisa de preocupar-se com a aplicação do segundo. Omert joga com os últimos restos do desejo de paz do povo e vai explorar sem vergonha a fraqueza dos palestinianos, que têm de negociar sobre a paz, ostensivamente, enquanto carradas deles estaõ a ser mortos pelo exército israelita.
Todos os meios se justificam para sobreviver politicamente – os três cínicos precisam uns dos outros para sobreviverem.
* Meron Benvenisti é dirigente do partido da esquerda israelita Meretz e foi vice-presidente da Câmara em Jerusalém Oriental (1971-1978)