Por Barak Ravid, Amos Harel, Avi Issacharoff, e Yuval Azoulay, correspondentes do Haaretz e agências
Uns 350.000 palestinianos infiltraram-se de Gaza para o Egipto na 4ª feira, segundo a ONU, depois de homens armados e mascarados terem aberto dezenas de buracos no muro que marca a fronteira.
Os habitantes de Gaza correram a comprar comida, combustível e outros abastecimentos que escasseiam devido ao bloqueio israelita à Faixa, depois de militantes terem detonado 17 bombas durante a madrugada, destruindo dois terços da parede de metal que separa a Faixa de Gaza do Egipto.
O Hamas não assumiu a responsabilidade por derrubar o muro da fronteira, mas militantes do Hamas rapidamente tomaram o controlo da fronteira, ao passo que os guardas fronteiriços egípcios permaneciam passivos. A destruição da fronteira continuava ao fim da manhã de 4ª feira. Palestinianos conduzindo um bulldozer chegaram a um local em que a fronteira é definida por uma parede baixa de betão com arame farpado, derrubando-a e abrindo um buraco para permitir acesso mais fácil aos carros.
Os palestinianos já por várias vezes romperam a fronteira Gaza-Egipto desde que israel saíu de Gaza em 2005. No passado, forças de segurança egípcias restabeleceram a ordem horas ou dias depois.
A polícia do Hamas canalizou as multidões por dois sectores da fronteira e fsicalizou alguns sacos, confiscando várias pistolas em poder de homens que regressavam a Gaza. Outros caminharam sobre as placas metálicas derrubadas sem ninguém os molestar, levando cabras, galinhas e sacos de carvão. Alguns traziam televisões e pneus de automóveis e um deles trazia uma motorizada. Comerciantes vendiam bebidas e coziam pão para a multidão.
Mohammed Abu Ghazel, de 29 anos, disse que tinha atravessado a fronteira três vezes desde hoje de manhã. Comprou no Egipto cigarros no valor de 200 schekels e vendeu-os por cinco vezes mais em Gaza, segundo disse. “Isto pode alimentar a minha família durante um m~es”, disse.
Na 2ª feira, umas 60 pessoas foram feridas numa manifestação na fronteira em Rafah quando a multidão tentou passar através dos portões da fronteira e guardas egípcios usaram canhões de água contra ela.
Os responsáveis da segurança foram rápidos, na 2ª feira, em ufanar-se do sucesso da sua táctica na escalada contra Gaza: olhem, o número de Qassams [morteiros artesanais lançados pelos palestinianos] baixou. No momento em que estas linhas são pulbicadas, os responsáveis da segurança podem fabricar outro axioma: desde que retomámos o fornecimento de óleo diesel na base do anterior, os palestinianos voltaram a disparar Qassams. A lógica da escalada é o outro nome do actual ministro da Defesa, Ehud Barak, e muitos israelitas estão a adoptá-lo.
Barak era primeiro-ministro em Setembro de 2000, quando as Forças de Defesa de Israel responderam com a escalada a manifestações populares contra o ocupante israelita e ao arremesso de pedras: fogo mortífero contra civis, entre eles muitas criannças. Sem surpresas, os palestinianos não aprenderam a lição e voltaram-se para uma escalada táctica deles próprios. Foi assim que chegámos ao ponto em que hoje estamos – morteiros artesanais de todos os tipos, que até se desenvolvem, cada vez que Israel intensifica as suas medidas de castigo a responder-lhes.
Livros, artigos e dois filmes já debateram, embora tardiamente, a loucura da táctica da escalada. Mas isso não importa àqueles que apoiam a aplicação de cada vez mais pressão sobre os 1,5 milhão residentes na Faixa. Isso mostra que eles – tal como o seu ministro da Defesa e o resto da direcção política – estão a sofrer de quatro falhas: amnésia, miopia, desorientação e incapacidades de aprendizagem.
A amnésia permite aos apoiantes desta posição ponderarem para um período de tempo de dias a meses os resultados visivelmente benvindos da escalada. Os israelitas esquecem o mortífero ataque israelita que precedeu a barragem de fogo de Qassams. E, como não relacionam os Qassams de hoje com aqueles que foram mortos no começo da Intifada, isto é, aos passos de escalada que o exército deu há vários anos, não podem imaginar que resultado vai ter a interrupção do fornecimento de água devida aos cortes de energia e ao colapso do sistema de bombagem; o insulto que implica tratar apenas do frio e da comida. Por causa da amnésia, Israel não pensa no futuro nem nas atitudes palestinianas, pan-islâmicas, pan-árabes, e nas posições que estão a ser formuladas neste preciso momento e que acabarão por comprometer qualquer calma temporária.
A miopia dos que apoiam a escalada permite-lhes olharem para as emissões de televisão de Gaza – crianças a chorarem, porta-vozes a argumentarem ou a protestarem – e crerem que estes são sinais de a escalada estar a funcionar. Não vêem para lá do écran, Não vêem a ajuda mútua, a riqueza de recursos e o humor que as pessoas estão a mostrar, a teimosia e a pressão política e popular sobre o vizinho egípcio.
A desorientação leva os apoiantes da escalada a pensarem que Gaza é realmente uma região geografica e demograficamente separada, que não pertence de todo, nem o destino dos seus habitantes importa, aos palestinianos doutras áreas. A desorientação leva os israelitas a olharem a Linha Verde e a tratarem-na como sagrada apenas quando os palestinianos a atravessam e os atingem Esquecem que eles – isto é, nós, os israelitas – atravessamos a Linha Verde em qualquer momento: com colonatos e disparos, com flagelações, bombardeamentos e ordens militares. E isto começou muito antes de os palestinianos aprenderem a fabricar Qassams.
Tudo isto se relaciona com as incapacidades de aprendizagem. A escalada, segundo pensam os seus apoiantes, vai criar pressão popular sobre o governo do Hamas. Mas os palestinianos não esquecem que as várias formas de cerco e de encerramento, atrição económica, expropriação de terras e arrastar de pés nas negociações, testemunha um falhanço da Autoridade Palestiniana e do seu presidente eleito, Mahmoud Abbas, muito mais do que o fazem sobre o falhanço do Hamas.
Aqueles que defendem a escalada ignoram o facto de encerramentos herméticos de todas as frotneiras de Gaza recordarem ao mundo o que ele adora esquecer: que Israel é o ocupante. O agressor. O incapaz de aprender e o míope que não vê a bancarrota moral – não apenas securitária – da política de escalada. Outros o farão em seu lugar.