O derrubamento do Muro de Rafah resultou de um combinação adequada de planeamento e duma leitura precisa do mapa político e social pelo governo do Hamas, adicionado a uma resposta de massas aos ditames da potência dominante, Israel.
Várias pessoas em Rafah sabiam que "figuras anónimas" andavam secretamente a minar as fundações do muro desde há alguns meses, de modo a tornar-se possível derrubá-lo facilmente quando chegase o momento - mas o segredo não transpirou. As centenas de pessoas que começaram a deixar a localidade palestiniana de Rafah logo a seguir ao derrubamento do muro fizeram-no apesar do risco e do precendente de os egípcios dispararem contra os que se infiltrassem através da fronteira.
A liderança e o povo de Gaza, duas componentes do povo ocupado, foram parceiros no passo corajoso e necessário para quebrar as regras do jogo israelita. O derrubamento do muro é uma clara manifestação da concepção e do temperamento de uma resistência popular entre o povo palestiniano, que por várias razões esteve adormecida nos últimos anos.
A Organização de Libertação da Palestina está preocupada, e com razão, com a eventualidade de a queda do muro fornecer a Israel um pretexto adicional para concluir a separação entre Gaza e a Cisjordânia. Não há nesta tendência nada de novo: o cerco israelita contra Gaza tem estado a desenvolver-se gradual e persistentemente desde 1991, e intensificou-se durante os anos de Oslo. Mas a direcção da OLP não teve a creatividade suficiente para em tempo útil pôr em xeque a estratégia israelita consistente, destrutiva e asfixiante, de limitar a liberdade de movimentos palestiniana.
Não admira. Então como hoje, Israel trabalhava para desenvolver os privilégios dos altos funcionários da Autoridade Palestiniana, concedendo-lhes a eles alguma liberdade de movimentos. Os funcionários condenavam publicamente as restrições aos movimentos da população em geral, ao mesmo tempo que aceitavam de forma submissa os seus próprios privilégios. Por isso, a sua imaginação política foi incapaz de produzir quaisquer planos práticos de acção contra a separação entre Gaza e a Cisjordânia, e contra o encarceramento sofrido pela maioria do seu povo.
A oportunidade de usar esta façanha de romper o muro como forma de avançar e desenvolver a táctica da luta popular é diminuída pela existência de dois obstáculos. Um, é o que se chama a "luta armada" - concretamente os disparos de rockets de Gaza contra cidades israelita ou os atentados suicidas em Israel. A premissa palestiniana de que uma nação ocupada tem o direito de "lutar por todos os meios" soa a oco, visto que não está em causa um direito, e sim a eficácia da luta.
Provou-se que através da desobediência popular os palestinianos conseguem romper as regras do jogo israelitas e voltar a colocar os seus problemas no centro da atenção global - bem como intensificar a crítica contra Israel. A "luta armada", especialmente quando se dirige contra civis, produz o oposto: dá aos palestinianos a aparência de agressores, não de parte ocupada e sob fogo, enfraquecendo portanto a sua posição global.
Se o governo de Gaza não quiser perder o impulso da queda do muro, não deve contentar-se em mandar parar o fogo dos Qassams disparados pelos seus próprios militantes: deve tornar claro a outras organizações que estão a prejudicar um movimento bem sucedido de resistência.
O segundo obstáculo é a recusa do governo entrincheirado em Ramallah a falar com o Hamas. Estes são, afinal, dois quase-governos cuja legalidade é questionável do ponto de vista da lei fundamental da Autoridade Palestiniana. Mas ambos representam o mesmo povo ocupado e o mesmo pedaço de terra sujeito a um processo acelerado de colonização - e isso ultrapassa todas as subtilezas jurídicas. Mahmud Abbas encontrou-se com Ehud Olmert sem pré-condições exactamente no fim-de-semana em que Israel impunha a Gaza o cerco mais cruel de sempre, mas Abbas não pode falar com Ismail Hanyieh sem o dirigente do Hamas aceitar as suas pré-condições?
Este boicote contribui para o corte que Israel tão aplicadamente trata de intensificar. Quanto mais tardarem as conversações directas entre as duas direcções sobre formas práticas de fazer levantar o cerco a Gaza, mais justificadas serão as preocupações, como afirmam funcionários do Hamas, de que o governo de Ramallah esteja a dar ouvidos aos Estados Unidos e a Israel - mas não ao seu próprio povo.