Mais uma vez celebrámos o feriado da liberdade com Gilad Shalit no cativeiro. Falámos de passar da escuridão para uma luz brilhante, mas deixámos no escuro as conversações sobre a libertação dos soldados raptados. Habituámo-nos a deixar o futuro depender do Shin Bet [serviços secretos israelitas], que negoceiam secretamente, e deixámos de perguntar o que poderíamos fazer para obter a libertação dos soldados raptados.
Porque não falar com os nossos vizinhos, com o Hamas, a Fatah e o Hezbollah, com os presidentes da Síria, do Egipto e dos países árabes, sobre a libertação dos raptados, sobre o fim do fogo dos Qassams, sobre a reconciliação?
Gabamo-nos de ter em Israel uma democracia e liberdade de informação, mas deixamos o Shin Bet dirigir a nossa vida, embora actue no escuro. Não temos a menor ideia do nosso mapa futuro, mas durante anos pediram-nos que não fizéssemos demasiadas perguntas.
Desde 1967, Israel deteve mais de 700.000 Palestinianos, cerca de um quinto da população palestiniana. Segundo o último relatório da ONU, Israel conserva atrás das grades mais de 11.000 prisioneiros palestinianos, incluindo 118 mulheres e 376 crianças, que estão encarcerados – violando a lei internacional – fora dos territórios ocupados. O Shin Bet decide quais prisioneiros podem receber visitas equais dos seus parentes são impedidos de entrar em Israel.
Poderíamos começar por libertar, como gesto de boa vontade, alguns dos 800 prisioneiros “administrativos” palestinianos, que têm estado presos em Israel sem julgamento. Estes prisioneiros, que não foram acusados e não sabem porque estão detidos sem julgamento desde há meses (por vezes anos), têm de ser libertados como primeiro passo para a libertação dos raptados e presos políticos. Libertar prisioneiros pode ser o primeiro passo de um processo de reconciliação, como tem sido em muitos outros países do mundo.
Processos de reconciliação em qualquer parte do mundo não são conduzidos na sombra, e sim à luz do dia. Eles incluem um debate público sobre os testemunhos das vítimas e público reconhecimento da dor, dos direitos e dos compromissos feitos por todas as partes envolvidas. Umas 22.000 pessoas testemunharam perante a a Comissão Verdade e Reconciliação da África do Sul, e milhões viram e ouviram esses depoimentos na televisão. Testemunhar perante os comités tornou possível para as vítimas contarem a sua história e obter reconhecimento, tornou possível para muitos sul-africanos ouvir falar pela primeira vez sobre o significado da opressão no regime do apartheid e deu à sociedade a oportunidade de lidar com a dor do passado de modo a construir um futuro mais justo.
Em Israel as autoridades preferem conduzir conversações secretas e não ouvir a história dos palestinianos. Continuamos a contar a história do nosso regresso ao país dos nossos antepassados. Qual é a história dos palestinianos que viveram aqui, e a quem este país tamb+em pertence? Porque não queremos ouvir a história deles, sobre a deportação de centenas de milhares das suas casas em 1948, com a destruição das suas aldeias e o roubo da sua propriedade? Porque não havemos de ouvir falar do seu sonho de regresso às suas casas em Jaffa, Ramle e Lod? Da sua vida sob a ocupação, quando as suas universidades foram encerradas durante anos por ordem do governador militar? Porque não ouvimos falar das crianças a crescerem em casas apinhadas de gente durante meses de recolher obrigatório, de barreiras nas estradas e vedações, e parentes a serem espancados, humilhados e detidos, e duma vida sem direitos?
É tempo de falarmos com os palestinianos sobre a maneira de vivermos juntos no futuro. Não haverá realmente ninguém com quem falar? Porque é que não queremos falar com toda a gente sobre tudo, sobre o passado, o presente e o futuro?
Será possível que Gilad Shalit ainda esteja refém e o fogo dos Qassam continue não por não haver ninguém com quem falar, mas por não querermos ouvir o que os dirigentes palestinianos têm para dizer? Temos de falar em voz alta com toda a gente, sobre o passado, o presente e o futuro, sobre uma vida de relações justas e decentes de boa vizinhança. Sem linhas vermelhas nem verdes e sem pré-condições. Simplesmente sobre o modo como havemos de viver juntos e separados, árabes e judeus, em reconciliação.
* A autora é professora de direitos humanos na Faculdade de Direito Hebraica