Se não fosse um assunto e realidade tão sérios, a peça de Esther Mucznik dada à estampa no Público (8 Maio 2008) seria cómica pela sua enorme falsidade, pela hipocrisia e pelas suas omissões fantásticas. É terrível o peso de má fé e do egoísmo nacional.
Em todo o seu elogio do novo Estado sionista não há uma única referência aos Palestinianos (ou aos Árabes israelitas discriminados no seu país) ou à ocupação desse povo na Cisjordânia ou ao cerco de Gaza! Que omissão típica dos defensores do Sionismo! Nisso, Esther reproduz o silêncio colonialista de quase todos os mais importantes ideólogos sionistas históricos com a excepção de Achad Haam e Martin Buber - embora Ben-Gurion também tenha referido os “Árabes” mas enquanto “problema para resolver”.
Acho mesmo triste este mau serviço que Mucznik presta ao seu povo neste aniversário do Estado de Israel perante o público português que, desde há 500 anos, não conhece bem a comunidade judaica. Acho ainda mais triste, porque reconheço claramente os temas que ela refere nos primeiros parágrafos da peça. Mas mesmo assim, embora conheça tão bem a educação nacional e religiosa, e embora tenha internalizado tão bem o trauma do Holocausto, não aceito que ela nos condenasse ao mesmo particularismo exclusionista que caracteriza a maior parte, senão todas as outras nações do mundo.
Mucznik cai no mesmo erro trágico que nega – do meu ponto de vista – todo o sentido da nossa história de 2000 anos de Diáspora. Não vou entrar numa diatribe quanto à interpretação religiosa e moral implicada pela minha crítica, mas se for necessário posso sentar-me e discutir teologia com rabinos ou outros “investigadores de assuntos judaicos”, e posso representar para o público português o outro Judeu, tão legítimo, senão mais, do que o Sionista que Esther representa.
Se somos uma nação diferente das outras, se a nossa história de perseguição tem qualquer “sentido”, é porque somos (ou deveríamos ser) o povo universal, de uma moralidade universal - já implícita nos Mandamentos, e cujo sofrimento como povo, como colectivo, nos deveria obrigar a actuar de forma consistentemente diferente, de forma justa. Esther representa-nos apenas como uma tribo lutando com as outras tribos numa qualquer região do mundo pela terra e pela água (aliás somos um tribo que, ao ser Estado na antiguidade, se envolveu em guerra civil, levando à nossa própria destruição!). Assim, não seríamos sujeito a uma moralidade diferente de qualquer outra tribo que vive numa guerra de todos contra todos. Se for assim, Esther, mereceríamos as respostas violentas das outras tribos que só estão a defender a sua terra e a sua água, e, assim, “a força faz razão”.
Na realidade, Esther, apesar da má consciência, que às vezes exprimes aqui em público no Público, és pouco mais que uma ideóloga ao serviço de qualquer governo de Israel que esteja no poder, e não uma porta-voz de uma comunidade judaica, pelo menos não de uma comunidade com que eu me possa identificar.
É terrível a cegueira do egoísmo nacional. É tão emancipadora a visão judaica universalista - mas o seu peso e os seus deveres não são mais ligeiros. Se há grandeza na nossa história, ela deriva não do nosso fechamento mas da nossa abertura.
Assim, “não furtarás”: se quisermos viver em Israel, temos de resolver a questão da terra e reconhecer que os Palestinianos ficaram com apenas 22% da sua terra original antes do nosso regresso.
Assim, “não matarás”: se quisermos viver em Israel, temos de fazer tudo para que o povo palestiniano possa viver igualmente bem e não no apartheid e em guetos. “Não cobiçarás a casa do teu próximo, … nem qualquer coisa que pertença ao teu próximo...” Eu não vou celebrar hoje enquanto, “em meu nome”, correligionários meus estão a expropriar – e a destruir – a casa dos nossos mais próximos. E não aceito os “falsos testemunhos” de Esther Mucznik, nem hoje, nem noutro dia.