A maioria das tâmaras israelitas que invadem actualmente os mercados em vésperas do ramadão são produzidas nos colonatos do vale do Jordão, na Cisjordânia, nas terras dos palestinianos, com a sua água e o seu suor. Aqueles que consomem dessas tâmaras encorajam a colonização israelita.
Nesta época do ramadão, Israel dirige-se especificamente aos pequenos comerciantes que fornecem as tâmaras à comunidade muçulmana. Essas tâmaras, maiores e mais escuras que a maioria das outras, podem apresentar-se sob diferentes marcas e com várias origens.
As variedades "Medjoul" et Deglet Nour" são conhecidas sob as marcas Bat Sheva, Carmel, Jordan Plains ou Jordan Valley. As variedades "Hayani" e Bahri" vêm a maior parte das vezes com o rótulo King Solomon e Jordan River.
Essas tâmaras provêm de colonatos do vale do Jordão, depois de a maioria da população palestiniana ter sido expulsa da região e de aqueles que ficaram serem muitas vezes obrigados a fazer-se explorar pelas empresas israelitas Carmel, Agrexco, Hadiklaim que mantêm o apartheid.
Assim, no mês passado, o exército israelita demoliu as aldeias de Ras al-Ahmar e Hadidiya no vale do Jordão. Destruiu ou confiscou os meios de acesso à água, dos quais os camponeses dependem para sobreviver, trabalhando as poucas terras que lhes restam. Por consequência, muitos são obrigados a trabalhar ou a enviar os seus filhos trabalhar nos colonatos. Aí, passam várias horas em cima das palmeiras de 10 a 12 metros de altura sem poder descer para ir à casa de banho. Debaixo do sol ou abanados pelo vento, incomodados por insectos ou escorpiões, e por vezes cobras, têm de ficar agarrados por um braço e trabalhar com o outro sem interrupção para preencher as suas cotas. Se se queixam ou não respeitam as quotas, perdem o trabalho e os recursos das suas famílias.
Os israelitas preferem empregar crianças, mais lestes para subir à árvores. Mais fáceis de enganar, elas são pior pagas e muitas vezes vigarizadas. A extrema pobreza dos palestinianos obriga-os a tirar os seus filhos da escola para alugá-los aos colonos.
Quase 80% das tâmaras israelitas são exportadas, principalmente para a Europa. E, como sabem, os nossos governos fecham os olhos, apesar das resoluções da ONU, das convenções de Genebra, e apesar dos apelos ao boicote da sociedade palestiniana e dos militantes israelitas contra a colonização.
Mas nós não queremos comer desse pão. Vocês também não, pois não? Existem tâmaras suficientes produzidas por outros países para fazermos este gesto de recusa e explicar o seu sentido aos comerciantes. Nenhuma desculpa para aqueles que fecharem os olhos. Esses não poderão dizer que não sabiam.
A versão integral da resposta ao editorial de Nuno Pacheco, elaborada para envio ao Público, foi cortada por nós próprios, para evitar que os cortes fossem deixados ao critério do jornal. Ela aqui fica, portanto, confiando nós em que a versão mais curta seja dada à estampa no Público dentro dos próximos dias.
No seu editorial "O absurdo boicote pedido a Cohen contra Israel" (31.Jul.2009), Nuno Pacheco põe em dúvida a eficácia de um boicote como forma de isolar Israel internacionalmente. Pacheco começa por descrever como "absurda" a escolha de Leonard Cohen como alvo do pedido de boicote a Israel por este ser de origem judaica (budista de religião). Convém dizer que o primeiro apelo a Cohen foi feito por um grupo de judeus no Reino Unido, pedido esse que seria reforçado mais tarde por israelitas e palestinianos contrários à política de apartheid israelita. Esta campanha adopta princípios universalistas, reflectindo a pluralidade dos seus apoiantes.
Leonard Cohen não foi o primeiro, nem será o último artista ao qual o Comité de Solidariedade com a Palestina pedirá que não branqueie os crimes israelitas - uma campanha que já conta com apoio de figuras ilustres como o veterano activista anti-apartheid Desmond Tutu, o presidente da assembleia geral da ONU, Miguel d'Escoto Brockman e Roger Waters, dos Pink Floyd, entre outros. O boicote cultural é somente uma vertente numa esforço amplo que pretende isolar Israel internacionalmente. Há décadas que os governos ocidentais têm protegido Israel de qualquer responsabilização pelos crimes que comete contra os palestinianos. Israel vive à margem do direito internacional, violando mais resoluções da ONU que qualquer outro país. Quando os nossos governos aceitam tal impunidade, tal como colaboraram anteriormente com o apartheid sul-africano, a responsabilidade recai sobre nós, cidadãos comuns.
O movimento global de boicote, desinvestimento e sanções (BDS) contra Israel já celebrou algumas vitórias. Por exemplo, em Janeiro passado o sindicato de estivadores sul africano recusou-se a carregar ou descarregar navios israelitas. No Reino Unido, centenas de académicos votaram para aderir a um boicote a instituições académicas israelitas, cúmplices da ocupação. Mais, na França e nos Estados Unidos há campanhas em curso de boicote a produtos israelitas, especialmente aqueles que são provenientes de colonatos. Alguns fundos de investimento retiraram o seu capital de companhias que colaboram com a indústria israelita da ocupação, como é o caso da Igreja Anglicana britânica.
É absurdo o raciocínio de Pacheco quando este diz que um concerto de Paul Simon na África do Sul em 1992, com o sistema de apartheid ainda vigente mas quase derrotado, ajudou mais do que a própria campanha internacional realizada durante mais de duas decadas e ouvida por milhões de pessoas em todo o mundo. O apelo de Marlon Brandon por exemplo, para que os seus colegas não se deslocassem à África do Sul, enviou a mensagem de que o racismo não pode ser normalizado. A este tipo de acção juntaram-se acções mais concretas como cortes de relações económicas e sanções. No seu conjunto, estas acções ajudaram a derrotar o apartheid e provaram que solidariedade com os oprimidos, em alguns casos, é mais eficaz com actos deste tipo.
No que diz respeito ao exemplo de Pacheco sobre Portugal, a sua lógica falha outra vez. Não houve um boicote internacional de artistas contra o fascismo português, e por isso não podem ser criticados artistas como Chico Buarque, que sempre cá vieram em atitude solidária com a resistência anti-fascista. Sabe-se que o fascismo português caíu sem essa campanha, mas não se pode afirmar que a campanha teria sido inútil. O facto é que a campanha não exisitu e não tivemos a oportunidade de testemunhar os seus efeitos. No caso da África do Sul, onde a campanha existiu, ela ajudou a acabar com o apartheid.
Portugal juntou-se finalmente ao movimento global de boicote, desinvestimento e sanções (BDS) contra Israel que começou em 2005 depois de um apelo feito por uma parte importante da sociedade civil palestiniana. A campanha de agora em diante só vai crescer a nível global, nomeadamente agora que Israel tem o governo fascista de Netanyahu-Liebermann a defender abertamente a limpeza étnica de palestinianos. A equipa de futebol israelita Bnei Yehuda joga em Portugal no dia 6 de Agosto contra o Paços de Ferreira. Lá estaremos outra vez como parte da campanha "Kick Apartheid Out of Football". Acções de solidariedade não-violentas como estas devem sem encorajadas. Não esperemos resultados imediatos: a campanha sul-africana requereu persistência. Leonard Cohen pode não ter cancelado o concerto em Israel, mas a história será o melhor juíz nestes casos.