«A marinha israelita terminou quinta-feira à tarde os seus preparativos com vista à chegada da frota de ajuda humanitária aos palestinianos de Gaza. Dezenas de tendas foram montadas no porto de Ashdod com postos do ministério do Interior. Os militantes que assinarem a ordem de expulsão receberão um bilhete gratuito com destino ao seu país de origem. Aqueles que se recusarem a assinar, serão entregues aos serviços de segurança para interrogatório».
Fonte: CAPJPO-EuroPalestine 27-05-2010
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Thomas Sommer-Houdeville, coordenador da Campanha internacional para a protecção do povo palestiniano (CCIPP) escreve, desde um dos navios da Frota da Liberdade a caminho de Gaza, o seguinte texto:
[…] Nunca imaginámos que transtornaríamos tanto Israel. Enfim, talvez em alguns dos nossos mais belos sonhos... Começaram por criar uma equipa especial de urgência formada pelo ministério israelita dos Negócios Estrangeiros, o comando da Marinha israelita e as autoridades penitenciárias para enfrentar a ameaça existencial que nós e os nossos poucos barcos cheios de ajuda humanitária representam. Em seguida, o próprio Ehud Barak, apesar da sua agenda carregada, deu-se ao trabalho de nos enviar um aviso através dos meios de comunicação israelitas. Agora, anunciam-nos que nos vão mandar para a pior das prisões israelitas, no deserto de Beersheva.
São avisos para nos fazer medo. E, de uma certa forma, temos medo. Temos medo dos seus navios de guerra, medo dos seus Apaches e do seu comando negro. Quem não teria medo? Temos medo que eles apreendam a nossa carga e toda a ajuda médica, os materiais de construção, as casas pré-fabricadas, os kits escolares, e que eles os destruam. Toda esta solidariedade pacientemente acumulada em tantos países durante mais de um ano. Todos estes esforços e esta onda de amor e de esperança enviados por pessoas normais, humildes cidadãos da Grécia, Suécia, Turquia, Irlanda, França, Itália, Argélia, Malásia. Tudo isto tomado como um troféu por um Estado que age como um vulgar pirata das ilhas. Quem não teria um certo sentimento de responsabilidade e de medo de não ser capaz de cumprir a nossa missão e de entregar as nossas mercadorias à população encarcerada de Gaza?
Mas sabemos que o medo está também do outro lado. Porque desde o início da nossa coligação, o Estado de Israel tem feito tudo o que pôde para evitar o confronto connosco. Desde o início, eles tentaram impedir-nos de partir, de reagrupar as nossas forças e de tomar o rumo para Gaza. Eles tentaram quebrar-nos. Os seus planos ideais eram de nos dividir, os irlandeses de um lado, os gregos e os suecos do outro, os americanos de outro ainda e os turcos sozinhos. […]
Começaram por sabotar há duas semanas o cargueiro irlandês, obrigando-o a atrasar a sua partida de quase uma semana. Mas os irlandeses reparam o barco o mais depressa que puderam e agora encontram-se a um dou dois dias de nós. Depois, fizeram uma pressão enorme sobre o governo grego, enfraquecido pela crise económica, para o obrigar a não deixar partir o cargueiro grego e o barco de passageiros greco-sueco. Por causa dessas pressões, tivemos de atrasar a nossa viagem duas vezes e pedir aos turcos e aos seus 500 passageiros e aos amigos americanos que estavam prestes a partir de nos esperar. […]
A segunda tentativa deu-se ontem, na parte grega de Chipre, onde tínhamos negociado com o governo para embarcar uma delegação VIP de parlamentares europeus e nacionais da Suécia, Inglaterra, Grécia e Chipre. Quando os dois barcos da Grécia, o barco americano vindo de Creta e os quatro barcos turcos estavam no ponto de encontro à espera que a delegação VIP chegasse para embarcar, recebemos a notícia de que a nossa delegação estava cercada pela polícia cipriota no porto de Larnaka e proibida de se mover para onde quer que fosse. […] Quando começámos a negociar com o governo cipriota, compreendemos claramente que esta mudança súbita de atitude perante nós era directamente ditada por Israel. […] Hoje de manhã, a delegação VIP decidiu que a única escolha possível era de ir ao porto de Formogossa, no norte de Chipre sob controlo turco, e de tomar lá um barco rápido para chegar ao ponto de encontro connosco. […].
Dentro de uma ou duas horas, 80% da nossa delegação VIP embarcará nos nossos navios e partiremos para Gaza como previsto. Podemos portanto dizer que Israel perdeu nas suas duas tentativas.
Dentro de algumas horas, a última tentativa, crucial, começará quando entrarmos nas águas de Gaza. Sem dúvida, materialmente, seria muito fácil para Israel parar-nos e prender-nos, mas o custo político que eles terão de pagar será enorme. Verdadeiramente enorme, ao ponto de que todas as manhas e ratoeiras que eles tentaram colocar no nosso caminho apenas conseguiram uma coisa: sensibilizar cada vez mais pessoas no mundo sobre a nossa frota e sobre a situação em Gaza. E com tudo isto, aprendemos uma coisa: o medo não está do nosso lado, mas do lado de Israel. Eles têm medo de nós porque nós representamos a ira das pessoas pelo mundo. As pessoas que estão descontentes do que o Estado criminoso de Israel faz aos palestinianos e a todo o amante da paz que ousa tomar o partido dos oprimidos. Eles têm medo de nós porque sabem que num futuro próximo haverá ainda mais barcos a ir para Gaza, assim como há cada vez mais pessoas, todos os dias, a decidir boicotar Israel.
29 de Maio de 2010. Thomas Sommer-Houdeville, coordenador da campanha internacional
No dia 24 de Maio, chegará a Gaza a maior frota alguma vez enviada para romper o bloqueio imposto há 4 anos. Trata-se da Frota da Liberdade, proveniente da Turquia, juntando uma dezena de grandes navios carregados de alimentos, medicamentos e outros bens necessários à população de Gaza, como geradores eléctricos e materiais de construção.
O governo palestiniano decidiu ampliar o porto de Gaza para acolher os navios, no caso de eles conseguirem chegar ao território cercado, sem restrições ou proibições israelitas. Serão os primeiros grandes navios a ancorar neste porto, agora reconstruído, depois da sua destruição pelos bombardeamentos israelitas.
Cerca de 20 países participam nesta iniciativa, entre os quais, a Turquia, a Irlanda, a Itália, a Alemanha, a Indonésia e a Jordânia, com diversas personalidades políticas e 1080 militantes de várias nacionalidades.
O presidente do Comité Popular contra o bloqueio, Jamal al-Khudari, manifestou o seu receio de que os navios da Frota da Liberdade sejam impedidos pela marinha de guerra israelita de chegar ao porto de Gaza. Para evitar a intercepção militar israelita, o primeiro-ministro turco Erdogan previu nos navios um «escudo humano» de cerca de mil militantes.
Nos últimos dois meses, Israel reduziu o combustível que permite fazer funcionar a central eléctrica de Gaza. A maior parte da Faixa de Gaza encontra-se frequentemente na total escuridão. Apenas um pequeno número de camiões pode entrar para impedir que a população morra de fome.
O Egipto, cúmplice da política de bloqueio contra os palestinianos, está a construir um muro de aço subterrâneo para impedir a população de Gaza de transportar os produtos de primeira necessidade através dos túneis.
Fonte: www.info-palestine.net
Fonte: www.info-palestine.net
Foto: No verão de 2008, os dois primeiros barcos de Free Gaza conseguiram chegar ao território cercado, onde foram acolhidos por uma flotilha de embarcações de pescadores com a bandeira palestiniana. Foto: Muhammed Muheisen
Acabo de sair de uma reunião com o ministério dos Negócios Estrangeiros. Encontrei-me com a embaixadora adjuntapara a OCDE e outro membro da sua equipa. Fui acompanhado por uma companheira do Comité de Solidariedade com a Palestina.
Começámos por agradecer a decisão de princípio de Portugal de apoiar o relatório Goldstone. Também agradecemos por terem sido um dos países europeus que se opuseram ao reforço do acordo entre a UE e Israel, que levou finalmente a uma interrupção temporária do processo. Em seguida, explicámos a nossa posição no que respeita à admissão de Israel na OCDE. Argumentámos sobre os valores da OCDE e sobre como Israel os ignora. Apelámos à coerência da posição portuguesa.
Elas responderam que o processo de admissão é meramente técnico e que a política não está aí envolvida. Desafiámo-las em dois pontos. Primeiro, que o documento genérico da OCDE para a admissão de países é muito claro: embora o processo de admissão seja técnico, a OCDE estipula várias oportunidades ao longo do processo para considerações políticas. Portanto, não é verdade que a política esteja fora de questão; aceitar Israel é uma posição política. Segundo, evocámos a grande quantidade de condições que Israel não consegue respeitar, incluindo a falta de fornecimento de todos os dados económicos.
A embaixadora adjunta concordou que Israel tinha falhado no fornecimento de dados económicos transparentes e noutras questões. Disse, no entanto, que 1 - Os países da OCDE estão favoráveis à aceitação de Israel; a UE vai coordenar as suas posições e será um sim a Israel. 2 - Uma vez que Israel for incluída, a OCDE forçará Israel a cumprir todos os regulamentos e Israel já deu garantias de que o faria. 3 - A inclusão seria melhor do que deixar Israel de fora.
Respondemos que 1 - Temos 60 anos de história que provam que Israel despreza a autoridade da lei, as resoluções da ONU, etc. Israel manterá um veto na OCDE e não há indícios de que as coisas mudarão. Isto será uma recompensa para os atropelos à lei de Israel. 2 - A inclusão provou ser errada neste caso e dei o exemplo da África do Sul.
Desafiámo-la em seguida sobre os dados económicos; dissemos que Israel forneceu dados que excluem 4 milhões de pessoas que vivem sob o seu controlo, que isto seria o mesmo que se Portugal fornecesse à OCDE dados que incluíssem Lisboa e excluíssem as regiões mais pobres. Se Israel tivesse mostrado os dados reais, não teria sido elegível para membro. O processo técnico lidou com Israel como se este não fosse um poder ocupante.
A representante de Portugal não teve resposta e repetiu apenas aquilo que já tinha dito, que tinha inteira confiança no processo técnico, mesmo se foi incapaz de mostrar que ele era credível.
Por fim, eu disse que se Portugal e a UE votarem a favor de aceitar Israel como membro, isso destruirá a sua posição enquanto actor credível na região. Acabei com uma nota positiva, dizendo que embora tivessem decidido aceitar Israel, ainda há a opção de reavaliar a posição de Portugal. Ela então perguntou-me quais tinham sido as posições dos outros países. Respondemos que a Irlanda, a Noruega e a Suíça tinham mostrado simpatia pelos nossos argumentos e ela disse que isso não era a mensagem que ela tinha recebido desses países. O representante belga também me tinha perguntado pela posição dos outros países. Penso que os governos não estão a comunicar as suas reservas, partindo do princípio de que existe um consenso e isto é um problema.
Esther Mucznick já nos habituou a quase tudo. Mas a sua crónica dada à estampa no "Público" de 6 de Maio excede os limites. Receosa de que o filme "Lebanon", de Samuel Maoz, possa prestar-se a uma leitura crítica sobre os crimes de guerra sionistas, Mucznick elogia o instinto de sobrevivência: "Sem esse instinto, não há guerra possível". Aí está, portanto, um instinto que faz muita falta. E prossegue: "Se quiseres proteger os teus soldados, não podes ser moral. Se escolheres actuar moralmente, a maioria dos teus soldados morre". Esta é, com efeito, uma filosofia enraizada, que justifica todos os crimes de guerra. Para "protegeres os teus soldados", recorres à "prática de vizinhos", que consiste em sequestrares aleatoriamente civis palestinianos para serem expostos, como escudos humanos dos soldados ocupantes, sempre que estes entenderem que podem estar perante uma possível linha de fogo. Dirá Mucznick, como disseram durante muito tempo - até um dia - os tribunais israelitas: é um comportamento justificado, porque protege os soldados. Mas as Convenções de Genebra baseiam-se na ideia de que também há obrigações com os combatentes do inimigo - e mais ainda com os não-combatentes. Tudo o resto se baseia na ideia racista de que as vidas dos outros valem menos do que as nossas. Com a sua filosofia, Mucznick só tem de propor que o Estado de Israel - agora em vias de ser acolhido na OCDE pelas democracias ocidentais - rompa formalmente com as Convenções de Genebra, ficando assim dispensado de responder a relatórios como o de Goldstone. Claro que aí ainda ficaria por explicar em que é que o bombardeamento aéreo de cidades densamente povoadas é tão necessário para proteger os soldados israelitas Mucznick conclui do seu arrazoado que "a coragem de Maoz foi a de encarar 'a besta' que há em cada ser humano". É isso também que diz um nazi fictício, representativo de tantos nazis reais do seu tempo - Max Auer, o protagonista de "As Benevolentes", que se desculpa dos seus crimes dizendo que toda a gente seria capaz de cometê-los, porque em toda a gente há uma "besta". A "investigadora" conclui que a condenação dos crimes de guerra é algo "de quem vê a guerra de longe, de muito longe". Tem razão: nós condenamos os crimes de guerra e hoje, felizmente, vemos a guerra de longe. Ela justifica-os estando tão longe como nós.
(carta enviada à directora do Público e publicada no jornal em 12.5.10)