Carta aberta ao director do Público
A respeito da reportagem de Alexandra Prado Coelho no Fugas
Após a publicação da reportagem assinada por Alexandra Prado Coelho nosuplemento Fugas, intitulada “Terra do leite e do mel ou do húmus e falafel”, o Comité de Solidariedade com a Palestina não pode deixar de vir manifestar a sua indignação perante o facto de um jornal de referência como é o Público se colocar ao serviço de um governo, aceitando um patrocínio para divulgar a sua propaganda.
Se alguém tivesse dúvidas sobre o carácter propagandístico da reportagem, elas logo seriam dissipadas com a leitura da última frase do artigo principal: “A Fugas viajou a convite do Ministério do Turismo de Israel”. Esta situação, aliás, não é nova no Público; já em Agosto de 2006, José Manuel Fernandes, director do jornal na altura, viajou a convite do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel, para voltar da sua viagem publicando vários artigos de flagrante apoio à política de Israel.
É sabido, público e assumido pelo governo israelita, que este consagra grande parte do seu orçamento e dos seus recursos humanos a um esforço diplomático para combater a má imagem que tem no mundo. O branqueamento da sua política de limpeza étnica e dos seus crimes de guerra, constantemente condenados pelas Nações Unidas, passa também por pagar viagens a jornalistas.
Conhecendo a origem da reportagem de Alexandra Prado Coelho, não é de admirar que a autora fale com a maior das naturalidades da existência dos colonatos ilegais, chegando a fazer publicidade à Adega dos Montes Golã e a outros produtos deste território considerado nas instâncias internacionais como ilegalmente anexado por Israel, mas para o qual a jornalista utiliza uma expressão exclusivamente israelita, a de“território disputado”.
Assim como não é de admirar a sua despreocupação com a ignorância histórica e cultural, uma vez que, aqui, o seu papel não é o de pesquisar, informar-se e informar os leitores do jornal, mas apenas o de transmitir a mensagem do Estado anfitrião e financiador.
Queremos dar apenas alguns exemplos do que acabámos de afirmar e que nos indigna:
O que Alexandra P. Coelho nos apresenta como comida israelita, o húmus, msabbaha, freekeh ou foul, são na realidade comidas palestinianas. O nome árabe desses pratos, assim como dos temperos referidos, daria uma pista a qualquer jornalista crítico e independente.
Esta apropriação culinária, e cultural de uma forma geral, é parte do colonialismo israelita. Ela vai de par com a expropriação das terras e da água e serve o mesmo objectivo de construção de um Estado expurgado de palestinianos sobre todo o território da Palestina.
Também a tentativa da autora de separar "árabes" de "cristãos" quando fala de Nazaré, mostra não só a sua ignorância como a força da propaganda israelita que, desde 1948, tudo tenta para separar palestinianos árabes cristãos – ou ateus – dos palestinianos árabes muçulmanos. Ela não sabe que os palestinianos cristãos também são árabes?
Alexandra P. Coelho fala de "Tiberíades", na Galileia, como sendo uma cidade "sem população árabe", esquecendo-se de mencionar que, em 1948, os israelitas invadiram esta cidade maioritariamente árabe e expulsaram dela toda a população, hoje refugiada no Líbano e a quem se recusa o direito de retorno para manter Israel "maioritariamente judeu".
Não consideramos que seja aceitável, do ponto de vista ético e profissional, os jornalistas aceitarem financiamento de partes interessadas. O aviso aos leitores de que a jornalista foi convidada pelo governo israelita não é uma garantia de honestidade, como se vê pelo conteúdo da reportagem.
Agradecemos a sua atenção e, desde já, um comentário seu à nossa carta.
Com os melhores cumprimentos.
O Comité de Solidariedade com a Palestina
O Comité de Solidariedade com a Palestina