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A conferência de paz de Paris foi mais que inútil - todos sabem que uma solução de dois Estados em Israel e Palestina é impossível agora
Mesmo para o que as conferências de paz costumam ser, esta foi a mais miserável de todas. Patética, sem esperança, infeliz, abatida, morta antes do seu tempo. Trump não enviou ninguém, Netanyahu chamou-lhe “as últimas contorções do mundo de ontem”, o autocrático Mahmoud Abbas não se deu ao trabalho de aparecer e o secretário de Estado de Theresa May apenas enviou uma mão-cheia de subordinados para a palhaçada. John Kerry, que disse há dois anos que a paz entre israelitas e palestinianos tinha no máximo 18 meses para acontecer “ou acabava”, anunciou debilmente que a reunião de 70 nações em Paris tinha “lançado a bola para a frente” – seja o que for que isto queira dizer. Então, para que foi tudo isto?
Sem dúvida, François Hollande – se alguma vez houve um imperador sem roupas, foi ele – quis restaurar o lugar da França entre as nações, enquanto as nações da UE e os árabes quiseram "contorcer-se" uma última vez – mesmo se foi apenas para se prepararem para o fracasso e alijarem qualquer responsabilidade. Solução de dois Estados? Jerusalém como capital? Ocupação? Roubo de terras? Refugiados? Nós fizemos uma última tentativa. Não podem dizer que não vos avisámos. Não nos culpem, pá. Até mesmo os russos só enviaram o seu embaixador em Paris para a conferência de "paz". Mas o que esperavam eles todos?
Que a nova marioneta de Trump para a embaixada em Israel escolheria ficar em Telavive? Que Benjamin Netanyahu, o colonizador e colono-mor, não faria mais exigências territoriais? Que os palestinianos, a perderem todos os dias hectares de terras roubadas pelos israelitas, mas agarrados a um líder cuja legitimidade depende de Israel e não deles, reiniciariam as negociações com os seus ocupantes? E foi assim que falaram em Paris os grandes e os bons: não deverás prejudicar o resultado das negociações dando passos unilaterais. E isto, anunciou um porta-voz francês, foi uma "mensagem subliminar" para Trump.
Oh deuses! Trump não recebe “mensagens subliminares”. Ele envia tweetts: “Mantém-te forte, Israel”. Como se responde a isso? Mas talvez os moços e as moças em Paris tenham entendido a mensagem. Nem uma vez eles proferiram a palavra "ocupação", muito menos "apartheid". Eles não mencionaram sequer a pequena questão de mudar a embaixada dos Estados Unidos para Jerusalém. Isso seria "inadequado", disse o poderoso Kerry. E isso é que era suposto ser uma "mensagem forte" ao primeiro-ministro de Israel (claramente Trump) e ao presidente dos Estados Unidos (obviamente Netanyahu): que a solução de dois Estados era realmente a única que estava sobre a mesa.
E assim a tragédia palestiniana continua a deslizar nas agendas nacionais de notícias – para deleite de Israel – ensanduichada algures entre mortes em acidentes e prémios académicos, mas muito atrás de Trump e Putin, Rússia no Médio Oriente, ISIS, Brexit, imigrantes europeus e o aquecimento global. O maior vulcão do mundo está a borbulhar lá na Palestina, mas um dos maiores icebergues do mundo está prestes a descolar-se do Antárctico. Adivinha-se qual deles conseguirá a maior manchete.
O que é que deu aos nossos líderes? Os charlatães de Theresa May estão preocupados em que a conferência de Paris possa "endurecer" as posições palestinianas – possa "endurecer" os palestinianos, por amor de deus – enquanto a Austrália continua a ver o primeiro veto de Obama a uma resolução da ONU contra a expansão dos colonatos como "profundamente inquietante". Parece que Malcolm Turnbull acha inquietante discutir os colonatos israelitas, quando toda a gente considera inquietante os colonatos. Então o que será pior: a pusilanimidade de Turnbull, ou May a dar graxa ao principal espião do Kremlin em vias de entrar na Casa Branca? Para ela, não existe mandato britânico na Palestina.
Qualquer pessoa que tenha visitado a Cisjordânia nestes últimos anos viu os colonatos judeus construídos em terras árabes roubadas, testemunhou a ocupação e a imundície em Gaza e observou os brutais dirigentes das milícias do Hamas – e percebeu que Netanyahu será em breve o membro mais à esquerda do seu governo cada vez mais racista – sabe muito bem que a “solução dos dois Estados” desapareceu há muito tempo. Por que teremos realmente pensado que ela iria sobreviver à cirurgia política do nosso querido antigo manda-chuva no Médio Oriente, Tony Blair? Como ele diria se fosse sincero, toda essa farsa acabou "absolutamente e completamente".
E o resto dos árabes? Oh Senhor, Senhor. Nós aceitamos os decapitadores do Golfo, o ditador do Egipto e os "rebeldes" da Síria. Nós vendemos armas aos sauditas para eles bombardearem os iemenitas – o que pode "endurecer" bastante a posição do Iémen – e enviamos dinheiro para o Líbano para manter os refugiados sírios no local, porque a sua presença massiva entre nós seria "profundamente inquietante". Nós adorámos os rebeldes de Aleppo e odiamos os rebeldes de Mossul e qualquer comparação entre eles seria sem dúvida "altamente inadequada". Agora há uma "mensagem subliminar" se alguma vez houve uma. Chama-se "lançando a bola para a frente".
Este artigo foi publicado no Independent, de 16.1.2017:
A tradução portuguesa é do Comité de Solidariedade com a Palestina
A caminho de um desastre em Gaza
Mulher palestiniana a cozer pão numa tenda, no sul de Gaza, dezembro 2016. Foto de Ibraheem Abu Mustafa (Reuters)
Israel alega que desde a sua retirada em 2005, já não controla a faixa de Gaza e não tem qualquer responsabilidade para com os cerca de 2 milhões de residentes. Tanto o governo do Hamas em Gaza como a Autoridade Palestiniana na Cisjordânia insistem em que Israel é responsável, ao mesmo tempo que se lançam culpas uns aos outros. A população de Gaza culpa as três partes, assim como a comunidade internacional. Mas o ministério da Defesa, os serviços de segurança do Shin Bet e o Coordenador das Actividades Governamentais nos Territórios [COGAT] estão formados por pessoas cujo trabalho requer um conhecimento sobre a situação catastrófica em Gaza, que está cada vez pior.
A discussão sobre se Israel tem o controlo efectivo sobre Gaza não altera os factos: cerca de 95 por cento da água no aquífero de Gaza não é boa para beber, e a água tratada é distribuída às famílias em condições anti-higiénicas; há electricidade durante oito horas por dia ou menos; cerca de 100 milhões litros de esgoto fluem para o mar todos os dias, tanto por causa da falta de energia como por causa dos atrasos em fazer-se chegar peças subselentes e novas bombas até Gaza; os resíduos de munições israelitas usadas afectam o meio ambiente e a saúde das pessoas de formas que ainda estão por investigar; o desemprego aumentou para cerca de 40 por cento, porque as restrições de movimento israelitas têm estrangulado a produção; e centenas de milhares de jovens que nunca saíram deste enclave sobrelotado não conhecem outra realidade.
Cada problema afecta e intensifica os outros, e é impossível separá-los. Se eles estão a aumentar a incidência de doenças em Gaza ou não cabe aos investigadores determinar. Mas de qualquer forma, milhares de pacientes não conseguem obter cuidados adequados.
Os comentadores na internet têm o direito de se mostrar indiferentes à existência de pacientes com cancro aos quais Israel – num processo desprovido de transparência e de supervisão externa – não permite de sairem de Gaza para obterem tratamento médico, ou aos quais vai atrasando a concessão de autorizações até que a doença piore ("Pacientes de Gaza com cancro: a recusa de Israel de deixar-nos entrar para obter tratamento é uma 'sentença de morte'", Jack Khoury, Haaretz, 6 de Janeiro).
Mas o COGAT, que sabia exactamente como colher benefícios de relações públicas ao deixar familiares de Ismail Haniyeh, o primeiro-ministro de Gaza, obter tratamento médico em Israel, também sabe muito bem que, quando organizações como Médicos pelos Direitos Humanos e Gisha intervêm, as restrições de segurança são frequentemente levantadas.
Os refilões da comunicação social podem dizer que não é da nossa conta o que acontece a 10 quilómetros de Sderot e a três do kibbutz Zikim. Os tomadores de decisões, pelo contrário, sabem muito bem que os esgotos ligados ao mar e as doenças infecciosas não têm fronteiras.
Que Israel seja responsável ou não, é ele que tem a chave. O seu hábito de brincar com as vidas dos pacientes, que se aproxima do sadismo, tem de parar. Israel deve criar um processo supervisionado, transparente e humano para os pacientes saírem de Gaza, como um primeiro passo para uma renovação fundamental da sua táctica falhada de bloqueio da faixa de Gaza. Ele tem de enviar água para Gaza em quantidade suficiente para salvar o aquífero e instalar linhas de electricidade adicionais para Gaza de maneira a deter a devastação ambiental. Israel tem a capacidade e a responsabilidade de evitar que o aviso da ONU se realize: o de que, em 2020, Gaza já não terá condições para a habitação humana.
O texto que segue é o editorial do jornal israelita Haaretz, de 10 de janeiro 2017
O texto original está publicado em:
http://www.haaretz.com/opinion/editorial/1.764055
A tradução portuguesa é do Comité de Solidariedade com a Palestina
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