A Universidade de Manchester censurou o título crítico a Israel de uma sobrevivente do Holocausto e insistiu para que a sua palestra no campus fosse gravada, depois de diplomatas israelitas terem dito que o seu discurso era de ódio anti-semita.
Marika Sherwood, uma judia sobrevivente do gueto de Budapeste, devia dar uma palestra em março sobre a forma como Israel trata os palestinianos intitulada: "Vocês fazem aos palestinianos o que os nazis me fizeram a mim."
Mas após uma visita de Mark Regev, o embaixador de Israel, e seu adido dos assuntos civis, os funcionários da Universidade proibiram os organizadores de usar o título "indevidamente provocador" e definiram um conjunto de condições para que a palestra pudesse realizar-se.
Os estudantes tinham convidado Sherwood para falar no âmbito da Semana do Apartheid Israelita e de uma série de eventos organizados pela comissão de estudantes da universidade para a campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções.
Os diplomatas israelitas visitaram Manchester no dia 22 de fevereiro e reuniram com o dirigente da iniciativa estudante, Tim Westlake. Mais tarde naquele dia, Michael Freeman, conselheiro da embaixada para os assuntos da sociedade civil, escreveu um email a Westlake agradecendo-o por discutir as "questões difíceis que enfrentamos", incluindo a "ofensivamente intitulada" Semana do Apartheid Israelita.
Mencionando o título da palestra de Sherwood, Freeman disse que ele viola a definição de anti-semitismo da Aliança Internacional para a Lembrança do Holocausto. Fez também acusações de anti-semitismo contra dois oradores previstos para um evento separado, citando tweets e a sua recusa em condenar o comportamento anti-semita.
"Estes dois eventos irão aos [sic] levar os alunos judeus a sentirem-se desconfortáveis no campus e a sentirem que são alvo de assédio devido à sua identidade enquanto povo e à sua ligação ao Estado judeu de Israel," disse Freeman a Westlake. "Eu agradecia que pudesse debruçar-se sobre esses eventos e tomar a medida apropriada."
A correspondência surgiu depois de o Gabinete do Comissário para a Informação ter obrigado Manchester a revelar a um aluno "toda a correspondência entre a Universidade de Manchester e o lobby israelita" entre 1 de fevereiro e 3 de março. A divulgação incluía o email de Freeman.
Nesse email, Freeman escrevia: "Saudamos o debate e a discussão e vemo-los como uma parte essencial de uma democracia saudável e de uma sociedade aberta. No caso destes dois eventos específicos, sentimos que não se trata de críticas legítimas mas sim de pisar a linha entrando no discurso do ódio”.
No dia seguinte, um funcionário da Universidade enviou um email a Huda Ammori, organizador do evento, com as condições: os académicos escolhidos para presidir aos eventos foram substituídos por outros nomeados pela Universidade, a publicidade foi limitada a estudantes e professores, e os organizadores foram informados de que as palestras seriam gravadas.
Ao que Ammori respondeu: "Nas instituições de ensino não deveria haver nenhum tipo de pressão de governos estrangeiros. Não os imaginamos a negociarem com a embaixada da Arábia Saudita um evento sobre o que está a passar-se no Iémen."
O palestra de Sherwood foi para a frente com um cartaz revisto, onde o subtítulo foi retirado. Ela negou que o título da sua palestra pudesse ser caracterizado como antisemita.
"Eu estava apenas a falar da minha experiência daquilo que os nazis me fizeram por ser uma criança judia," disse ela. "Tive que mudar-me para longe do lugar onde estava a viver, porque os judeus não podia viver lá. Não podia ir à escola. Eu teria morrido se não fossem os cristãos que nos baptizaram e nos deram documentos para nos salvar".
“Não posso dizer que sou palestiniana, mas as minhas experiências de criança não são diferentes das que as crianças palestinianas estão a viver actualmente”.
Um porta-voz da embaixada israelita disse que não considerava a reunião como lobbying, pois os encontros entre embaixadas e universidades são comuns. Sublinhou que o email de Freeman saudava o debate e a discussão.
Sobre a palestra de Sherwood disse: "Comparar Israel ao regime nazi poderia razoavelmente ser considerado como anti-semita, dado o contexto, de acordo com a definição de base de anti-semitismo do IHRA, que é aceite pelo governo britânico, o Partido Trabalhista, a NUS [União Nacional dos estudantes] e a maioria das universidades britânicas."
A Universidade de Manchester fez um discurso livre sobre a prática aplicada a todos os eventos do campus envolvendo oradores externos e questões controversas, e os funcionários verificaram as leis relevantes, incluindo a Lei da igualdade de 2010, antes de os aprovar.
"Neste caso, a Universidade permitiu que os eventos se realizassem em conformidade com os requisitos da lei e com o nosso compromisso com os princípios da liberdade de expressão", disse o seu porta-voz, sem abordar a reunião com os diplomatas.
"Infelizmente, os nossos piores receios tornam-se realidade," disse Josef Schuster, presidente do Conselho Central dos Judeus na Alemanha, a propósito do sucesso eleitoral de Alternativa para a Alemanha nas eleições de domingo.
Conhecido pela sua sigla alemã AfD, o partido nacionalista extremista ganhou quase 100 assentos no parlamento da Alemanha.
"Um partido que tolera posições de extrema-direita nas suas fileiras e incita ao ódio contra as minorias no nosso país está hoje não apenas em quase todos os parlamentos regionais mas também representado no Bundestag", disse Schuster.
O partido é conhecido por abrigar toda a espécie de racistas e extremistas, incluindo apologistas da memória da guerra da Alemanha e revisionistas do Holocausto.
Foi um desastre previsto pelos políticos tradicionais da Alemanha.
Sigmar Gabriel, ministro dos Negócios Estrangeiros do país, advertiu no início deste mês que se a AfD tivesse um bom resultado nas urnas, "teremos verdadeiros nazis no Reichstag alemão pela primeira vez desde o fim da segunda guerra mundial."
Os financiadores pro-Israel apoiam os neo-nazis
Se é verdade que a Alemanha não precisa de lições de como ser racista, esta catástrofe pode ser atribuída em parte aos líderes israelitas e seus apoiantes fanáticos: durante anos eles fizeram causa comum com a extrema-direita na Europa, demonizando os muçulmanos como invasores externos que devem ser rejeitados e até expulsos de maneira a manter uma pureza mítica europeia.
Também pode ser atribuída aos líderes alemães que, durante décadas, reforçaram este Israel racista através do financiamento da ocupação militar israelita e da opressão dos palestinianos.
Entretanto, como Lee Fang escreveu no The Intercept, o Gatestone Institute, o grupo de reflexão da maior financiadora da indústria islamofóbica Nina Rosenwald, inundava a comunicação social alemã com "um fluxo constante de conteúdo inflamatório sobre as eleições alemãs, focado em alimentar medos sobre os imigrantes e muçulmanos".
O Gatestone Institute é dirigido por John Bolton, o antigo diplomata americano neo-conservador conhecido pelo seu apoio belicista à invasão do Iraque.
Os artigos do Gatestone afirmando que o cristianismo se está a "extinguir" e avisando contra a construção de mesquitas na Alemanha foram regularmente traduzidos para o alemão e publicados por políticos e simpatizantes da AfD.
História após história eles alegaram que os migrantes e os refugiados violavam mulheres alemãs e traziam doenças perigosas para o país, temas clássicos da propaganda nazi usados outrora para incitar ao ódio exterminador dos judeus.
Numa trágica ironia, o pai de Rosenwald, um herdeiro da fortuna das lojas Sears, usou a sua riqueza para ajudar refugiados judeus a fugirem da perseguição na Europa.
A sua filha tomou um caminho diferente. O jornalista Max Blumenthal chamou Nina Rosenwald de "mãe doce do ódio anti-muçulmano."
Blumenthal relatou em 2012 que Rosenwald “usou os seus milhões para consolidar a aliança entre o lobby pro-Israel e os extremistas islamofóbicos.”
Para além de financiar uma série dos mais notórios demagogos anti-muçulmanos, segundo Blumenthal, Rosenwald "serviu o Conselho da AIPAC, o braço central do lobby de Israel na América, e exerceu funções de direcção numa série de organizações pró-Israel."
O partido de Anders Breivik
Numa coluna no dia após a eleição, The Jerusalem Report, publicado pelo direitista Jerusalem Post, ofereceu à líder parlamentar da AfD Beatrix von Storch uma plataforma para difundir a ideologia anti-muçulmana do partido.
The Jerusalem Report também cita o politólogo alemão Marcel Lewandowsky explicando que " os membros da AfD vêem a União Europeia como um traidor à herança cristã da Europa por terem deixado entrar os muçulmanos. A ideia é que a islamização da Europa foi causada pela UE."
"Substituição" pelos muçulmanos, explicou Lewandowsky, "é o cerne do medo dos eleitores da AfD."
Isto significa que a ideologia central do partido é indistinguível da de Anders Breivik, o norueguês que assassinou dezenas dos seus concidadãos, principalmente adolescentes, num acampamento de jovens do Partido Trabalhista, em julho de 2011, em nome da barreira à "islamização" da Europa.
Um dos maiores benfeitores da generosidade de Rosenwald, segundo Blumenthal, foi Daniel Pipes, o influente demagogo pró-Israel, anti-muçulmano que Breivik citou 18 vezes no seu famoso manifesto.
Admiração por Israel
O líder parlamentar da AfD von Storch, deputado no Parlamento Europeu, também usa a entrevista do The Jerusalem Report para esquematizar a postura pro-Israel do seu partido, comparando o seu nacionalismo alemão à ideologia sionista de Israel.
Segundo o The Jerusalem Report, von Storch é um fundador de "Amigos da Judeia e Samaria," um grupo de extrema-direita no Parlamento Europeu que apoia a colonização ilegal de Israel em território palestiniano ocupado.
Estranhamente, esse grupo lista como uma das suas pessoas de contacto o dirigente do " Conselho Regional Shomron," uma organização de colonos na Cisjordânia ocupada.
"Israel poderia ser um modelo para a Alemanha," disse von Storch ao The Jerusalem Report. Israel é uma democracia que tem uma sociedade livre e pluralista. Israel também faz esforços para preservar a sua cultura e tradições únicas. O mesmo deveria ser possível para a Alemanha e qualquer outra nação."
A identificação de von Storch com Israel faz eco à do demagogo nazi Richard Spencer, que descreveu a sua visão de um "etno-estado" ariano como "sionismo branco."
A presidente da AfD Frauke Petry também manifestou o seu apoio aos colonatos israelitas na Cisjordânia ocupada. Em fevereiro, ela disse ao jornal de direita Tablet que a sua única visita a Israel lhe tinha dado uma visão positiva do país.
"De repente a imagem que se tem é um pouco diferente da que se tem quando se vive longe," ela disse.
Estes pontos de vista fazem eco aos de Anders Breivik. Ele era um grande admirador do sionismo e defendia uma aliança com Israel para lutar contra os muçulmanos e os seus apoiantes "marxistas culturais/multiculturalistas".
Os líderes dos colonos israelitas tomaram nota. Enquanto o mundo estava sob o choque do êxito eleitoral da AfD, Yehuda Glick, um legislador do Likud, partido do primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu, twitou que todos aqueles que estavam "em pânico" com a AfD deviam estar confiantes de que Petry estava a trabalhar "intensamente" para expulsar todos os elementos anti-semitas.
Glick, um líder do movimento apocalíptico que visa destruir a Mesquita de al-Aqsa de Jerusalém e substituí-la por um templo judeu, também recomenda um artigo que descreve a postura pro-Israel da AfD.
Segundo o Tablet, a visita de Petry também a levou a acreditar "que a Europa deveria aprender mais com Israel na sua luta contra o terrorismo."
De acordo com uma sondagem recente, este forte apoio a Israel é sentido nas fileiras da direcção da AfD.
Aliança com o sionismo
Há uma lógica clara para os dirigentes da AfD aderirem à aliança recentemente revigorada entre forças de extrema-direita tradicionalmente anti-semitas, por um lado, e Israel e sionistas por outro.
A presidente do partido Petry tem argumentado que os judeus devem estar dispostos a conversar com a AfD sobre interesses supostamente comuns, explicando, segundo o Tablet, que "é a esquerda na Alemanha e os novos imigrantes muçulmanos que dirigem o movimento anti-Israel do seu país ".
"Tanto o anti-semitismo como o anti-sionismo são mais fortes na comunidade islâmica e na esquerda", disse von Storch. "Eles rejeitam o facto de que as bases judaico-cristãs da civilização europeia são fundamentais para o seu sucesso. Reconhecemos a ameaça que representam para a comunidade judaica de Israel e da Alemanha e a sua segurança é uma grande prioridade para nós."
Isto é, naturalmente, o mais descarado revisionismo: durante séculos as autoridades cristãs da Europa não só não consideraram os judeus como uma parte fundamental da sua "civilização", mas perseguiram-nos impiedosamente, por vezes tentando o genocídio.
Mas tais factos são ocultados no interesse de uma aliança anti-muçulmana actual que está preparada para deitar fogo ao tecido social cada vez mais desgastado das sociedades pluralistas, para bem da purificação nacional de Israel e da Alemanha.
O apoio de Israel aos fascistas
Olhando criticamente, como indicam os tweets de Glick, isto não foi um caso apenas de sentido único. Ele foi incentivado por Israel e os seus grupos de lobby.
A noção de que Israel é a ponta de lança de uma frente de batalha civilizacional ocidental contra o Islão tem sido uma reivindicação-chave de Netanyahu.
Ele e outros dirigentes israelitas têm explorado todos os ataques terroristas na Europa para avançar com a mensagem venenosa de que Israel está "a combater na mesma luta."
E os poderosos grupos de lobby de Israel, tais como a Liga Anti-difamação, que agora se mostram alarmados com o sucesso eleitoral da AfD, estão longe de ser inocentes.
Durante anos, a Liga Anti-difamação – que se apresenta como um grupo de "anti-ódio" – cortejou e branqueou influentes pregadores do ódio anti-muçulmano porque eles apoiavam a sua agenda pro-Israel.
Esse enlace entre sionistas e seus supostos opositores continua a desenvolver-se no bom acolhimento que os antigos conselheiros de Trump Steve Bannon e Sebastian Gorka encontraram em Israel e nos seus grupos de lobby.
Bannon falará na próxima gala da Organização Sionista da América, enquanto Gorka, que tem ligações aos nazis e às milícias anti-semitas violentas, foi recentemente recebido em Israel.
Isto pode ser visto no longo e visível silêncio do governo israelita quando o resto do mundo condenava a fúria dos neo-nazis em agosto em Charlottesville, na Virgínia.
Também pode ser visto na aproximação de Netanyahu aos dirigentes de extrema-direita europeus, incluindo o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, que tentou reabilitar a aliança com Hitler no seu país durante a guerra.
Se o descaramento desta aliança pode ser chocante, ela remonta aos anos iniciais dos movimentos sionista e nazi. Como o professor Joseph Massad da Columbia University salientou, sionistas e europeus anti-semitas historicamente compartilharam a mesma análise: que os judeus eram estranhos à Europa e tinham de ser deslocados para outro lugar.
E isto continua: comentadores israelitas estão a notar que Israel não tem tido pressa em condenar a AfD.
Netanyahu – sempre rápido para atacar o alegado anti-semitismo dos críticos de Israel – veio ao Twitter para felicitar a chanceler Angela Merkel pela sua vitória, mas até agora manteve-se calado sobre o assunto de que todo o mundo fala.
Na corrente dominante
Apesar do seu sucesso eleitoral, a AfD é afectada por divisões: a sua presidente Frauke Petry anunciou de surpresa na segunda-feira que não iria juntar-se à bancada parlamentar do seu partido.
Uma estratégia que os dirigentes do partido estão a desenvolver para tornar a AfD mais aceitável é a de tentar mitigar os receios da comunidade judaica.
Sem dúvida, eles continuarão a tentar fazê-lo expressando admiração e apoio a Israel – a mesma abordagem da Frente Nacional francesa historicamente anti-semita.
Podemos contar ver a AfD reforçar o seu apoio a Israel, incluindo os seus colonatos na "Judeia e Samaria".
Mas isso é na verdade uma marca da sua integração. Historicamente, o estabelecimento da Alemanha no pós-guerra, incluindo os governos liderados por Merkel, tem "expiado" o genocídio dos judeus no país, apoiando Israel a cometer crimes contra os palestinianos.
Para os palestinianos, portanto, o centrismo "moderado" de Merkel e a intolerância e racismo evidentes da AfD, são pouco diferentes na verdade.
Tal como Donald Trump apresenta a face nua e crua do militarismo e imperialismo americano que tem vitimado povos em todo o mundo durante décadas, a AfD é de certa forma uma voz mais honesta de uma Alemanha que fala dos "direitos humanos", enquanto apoia incondicionalmente um Israel cuja exportação principal é o extremismo e a islamofobia.
O racismo da Europa aliado a este mau vento de Israel produz uma mistura tóxica.