Por que pedimos ao Conan Osiris para boicotar Israel
Num recente artigo publicado no P3, intitulado “Parem de pedir ao Conan para não ir a Telavive”, Jorge Dantas argumenta que o conflito entre Israel e os palestinianos é “eterno” e que a razão do conflito é o “medo” e o desejo de “segurança” para ambas as partes. O artigo diz que este é um conflito de “emoções” preso num “ciclo vicioso”. Ou seja, muito complicado e sem explicação lógica. E que, em vez de pedirmos a Conan Osiris que respeite o apelo ao boicote palestiniano, a táctica não violenta que estes escolheram para resistir à sua opressão, ele devia ir a Telavive para os “ajudar” a fazerem as pazes.
Pergunto, teria Dantas a mesma atitude sobre o “conflito” entre a maioria negra e a minoria branca durante as décadas sangrentas do regime do apartheid na África do Sul? Estariam ambas as partes com “medo” ou uma das partes, a mais poderosa, queria impor a sua supremacia racial sob a outra? Quando Rosa Parks famosamente recusou-se a ceder o seu lugar no autocarro a um branco no sul segregado americano em 1955, estaria ela a perpetuar “um ciclo vicioso” ou a desafiar um regime de injustiça que impunha a inferioridade aos negros americanos? Felizmente sabemos hoje a resposta a estas perguntas. Quer Nelson Mandela quer Rosa Parks são celebrados pelas suas lutas contra sistemas de desigualdade e de dominação que hoje são universalmente condenados.
A segregação no sul dos EUA e o apartheid sul-africano podem ter acabado, mas a ocupação e o apartheid israelita continuam intactos. Não há paridade entre Israel, uma das maiores potências militares do mundo, e os palestinianos, um povo sob ocupação militar há mais de meio século. Assim como não há equivalência moral entre uma força de ocupação e um povo ocupado. Ao contrário do argumento de Dantas, este não é um conflito de duas partes iguais que não se entendem, mas sim uma luta de um povo oprimido contra a sua colonização, ocupação e apartheid.
Entendendo isto, em vez da leitura preguiçosa de que Dantas nos oferece, reconhecemos que a luta do povo palestiniano é uma luta pela liberdade, igualdade e justiça. Israel continua a violar dezenas de resoluções da ONU. Diariamente, o exército israelita mata palestinianos, invade as suas cidades, destrói as suas casas e rouba as suas terras. A recente comissão de inquérito da ONU sobre os protestos em Gaza acusou Israel de cometer crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
A comissão de inquérito, assim como os crimes diários da ocupação, caíram em ouvidos surdos, sem nenhum governo a querer agir para implementar as suas conclusões (sendo uma delas, enviar para o tribunal de Haia os generais israelitas responsáveis). E é neste contexto de completa impunidade de Israel que a maioria da sociedade civil palestiniana apelou em 2005 ao boicote internacional contra Israel — um boicote económico, académico, cultural, político — inspirado no boicote internacional que ajudou a isolar o apartheid sul-africano. O movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) contra Israel tem crescido de forma impressionante à volta do mundo, incluindo em Portugal, com o apoio de milhares de artistas que se recusam a branquear os crimes de Israel com a sua arte. O boicote, se estratégico e bem organizado, funciona. Não é por acaso que o governo israelita declarou o movimento BDS uma “ameaça estratégica” ao seu regime de apartheid e dedica milhões de dólares todos os anos para combater este movimento de direitos humanos.
A Eurovisão será uma oportunidade para Israel se mostrar ao mundo como um país dito normal, escondendo a brutalidade diária da ocupação e o apartheid imposto a milhões de palestinianos. Mas a Eurovisão será também uma oportunidade para nós, pessoas de consciência em todo o mundo e em Portugal, estragar a festa ao regime de apartheid de Israel, e não deixar o mundo esquecer a luta do povo palestiniano pela liberdade e justiça.
Artistas portugueses pedem a Conan Osíris que boicote a Eurovisão em Israel
Numa carta aberta, mais de 40 artistas portugueses pedem ao vencedor português do festival Eurovisão para cancelar a sua participação no evento que terá lugar este ano em Telavive.
Entre eles, os músicos José Mário Branco, Vítor Rua, António Sousa Dias e Chullage, a coreográfa Olga Roriz, os actores Maria do Céu Guerra e João Grosso, os escritores Alexandra Lucas Coelho e Afonso Cruz, a cineasta Raquel Freire, os artistas Joana Villaverde e Thomas Walgrave,e Tiago Rodrigues, director artístico do Teatro D. Maria.
No preciso momento em que Israel volta a bombardear intensivamente a população de Gaza e que o presidente Trump proclama a soberania de Israel sobre os Montes Golã anexados à margem do direito internacional em 1981, Conan Osíris encontra-se em Telavive para filmar um vídeoclip que será divulgado durante a emissão do festival sobre um fundo de paisagens “israelitas” que incluem os Montes Golã e Jerusalém Oriental sob ocupação militar.
Carta aberta de artistas portugueses a Conan Osíris
Conan Osíris, vimos por este meio pedir-te que não vás a Telavive em representação de Portugal na Eurovisão, respondendo ao apelo do povo oprimido palestiniano.
Ir a Israel seria ignorar o cerco ilegal que o país mantém a 1,8 milhões de palestinianos em Gaza, negando-lhes os direitos mais básicos. Entre 41 quilómetros de comprimento por 6 a 12 de largura, os habitantes vivem com água racionada, estão cercados por muros e soldados, são agredidos e assassinados de forma impune. A ONU considera que Gaza é “inabitável”.
A escassos minutos do lugar onde vais cantar, vivem ainda 2,7 milhões de palestinianos aprisionados por um muro de apartheid ilegal. O parlamento israelita aprovou este estado de apartheid através da “Lei do Estado-Nação do povo judeu”, que declara a superioridade racial de israelitas judeus. Já foi condenada pela União Europeia, incluindo por Portugal.
No ano passado, em Lisboa, Netta Barzilai, israelita, venceu a Eurovisão. Emocionou-se, a festa fez-se com luzes, música e estrondo. Dois dias depois, o estrondo foi outro: soldados israelitas massacraram 62 palestinianos, incluindo seis crianças.
Da mesma forma que artistas tiveram um papel histórico e decisivo na luta contra o apartheid sul-africano, recusando-se a tocar em Sun City, artistas de todo o mundo juntam-se neste momento histórico ao boicote cultural a Israel.
Conan Osíris, conseguiste deslumbrar Portugal com a tua música e a tua honestidade. Não deixes que Israel use a tua arte para branquear os seus crimes contra o povo palestiniano e junta-te a milhares de artistas de todo o mundo que se expressaram contra a Eurovisão em Israel. Estaremos contigo.