Marcha do Orgulho LGBTI+ recusa a participação da embaixada de Israel
Em resposta a um artigo do embaixador de Israel, Dor Shapira, publicado no Público
de 21 de junho, a comissão organizadora da Marcha do Orgulho LGBTI+
de Lisboa enviou para o mesmo jornal, ao abrigo do direito de resposta, o texto que reproduzimos.
No seu artigo (também aqui reproduzido), Dor Shapira pergunta-se se a decisão de recusar
a participação de representantes do Estado de Israel na marcha "se baseou em ignorância,
estupidez ou hipocrisia". Nós sabemos a resposta: a decisão da MOL,
que louvamos, baseia-se numa atitude política, a única atitude coerente
com a defesa dos direitos humanos e da liberdade dos povos e das minorias.
O Público negou o direito de resposta à MOL, com o argumento de que os autores não podiam acusar Israel de campanhas genocidas, porque «os juristas e académicos dividem-se sobre o uso [deste conceito] no conflito israelo-palestiniano».
O nosso orgulho são os Direitos Humanos
Em Junho, celebra-se o mês do Orgulho. Um mês de celebração e luta pelas conquistas de Direitos LGBTI+, pelos Direitos Humanos (DH) e pela igualdade. Seria hipócrita permitir que Estados com políticas segregacionistas e de apartheid, de colonização e campanhas genocidas, se juntassem a uma marcha com estes valores.
O representante de Israel em Portugal está enganado sobre as marchas em Portugal. Estas não são marchas comerciais, financiadas pela coca-cola e que excluem a comunidade. Não obrigam a comunidade LGBTI+ a pagar para poder participar. Não esquecem todas as restantes opressões para as cobrirem com uma bandeira arco-íris. Ao contrário do que afirma, nunca a organização da Marcha do Orgulho LGBTI+ de Lisboa (M.O.L.) foi contactada pela sua Embaixada tendo em vista uma participação, tendo antes tentado infiltrar-se na M.O.L. através de um expediente manhoso, ao arrepio do regulamento público sobre a participação de entidades na mesma e sem dar disso conhecimento à Comissão Organizadora. Opera, assim, na falsidade.
Desde que a Palestina foi dividida pelas Nações Unidas em dois Estados em 1947, a ONU adotou inúmeras resoluções sobre o conflito, todas ignoradas ao longo de 75 anos.
A 09 de Julho de 2021, o relator da ONU sobre a situação dos direitos humanos nos Territórios Palestinianos Ocupados (TPO) pediu que os colonatos israelitas fossem classificados como "crimes de guerra". Apresentando o seu último relatório ao Conselho de Direitos Humanos em Genebra (Suíça), Michael Lynk afirmou que os colonatos israelitas nos territórios palestinianos constituem uma "violação da proibição absoluta de implantação de colonatos". "A comunidade internacional classificou essa prática como “crime de guerra” quando aprovou o Estatuto de Roma em 1998", afirmou.
Pouco mais de um mês após a execução da jornalista Shireen Abu Akleh pelo exército de Israel, o embaixador de Israel em Portugal deveria ter pudor de falar em DH (dos quais os direitos das pessoas lgbti+ fazem parte). As ações militares de um dos exércitos mais poderosos do mundo contra populações civis desarmadas e as suas políticas de apartheid constitucionalmente consagradas não escolhem a orientação sexual ou identidade de género das suas vítimas. Mas a desproporcionalidade não se fica por aí: também é pouco de diplomata, e mais de “bullying” puro e simples usar o cargo de representação de um poderoso estado-nação para atacar insultuosamente meros ativistas e movimentos lgbti+ de Lisboa. O embaixador Dor Shapira acha que lhe cabe determinar quem representa as comunidades lgbti+ de um outro país soberano. Certo é que não é a embaixada de Israel. É certo também que a M.O.L. não é, e não será, local para que Estados – o de Israel ou outros – e demais entidades venham lavar a cara de violações de DH.
O Estado de Israel sabe o que é ‘pinkwashing’. Não é de estranhar: o termo foi cunhado para descrever a sua política externa, que mobiliza recursos financeiros e outros para se autopromover internacionalmente como respeitador dos DH a pretexto da tolerância para com os movimentos lgbti+. No entanto, é um Estado iníquo que há décadas desrespeita as sucessivas resoluções da ONU sobre a ocupação da Palestina, mantém encarceradas e sujeitas à ação militar 7 milhões de pessoas – quantas lgbti+? - na maior prisão a céu aberto do mundo – Gaza – enquanto nega às populações refugiadas o seu direito de retorno.
Um estado que se vangloria da sua democracia e respeito pelos DH enquanto desenvolve um dos mais longos genocídios da história da humanidade. Segundo Dor Shapira, Israel acolhe pessoas lgbti+ fugidas da Palestina. Esquece-se de mencionar sob que condições: o exército de Israel é conhecido por ter uma unidade de espionagem eletrónica que recolhe informação pessoal sobre pessoas nos TPO, entre outras sobre a sua orientação sexual, de forma a chantageá-las para espiarem em seu favor.
Enquanto Israel não cessar toda a violência contra a Palestina, intimidação e regime de apartheid, a sua autoproclamada tolerância e aceitação são somente atos performativos de exclusão e não políticas de liberdade e igualdade.
A Comissão Organizadora da 23ª Marcha do Orgulho LGBTI+ de Lisboa
Panteras Rosa (Frente de Combate à LesBiGayTransFobia), ILGA Portugal, Opus Diversidades, Clube Safo, Rede ex aequo, Transexual Portugal, TransMissão: Associação Trans e Não-Binária, GAT - Checkpoint LX, Amplos, APAV | Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, APF - Associação para o Planeamento da Família, QueerIST, Projeto Anémona, Intervenção Queer LX, SOS Racismo, Lóbula, Poly Portugal, Colombina Clandestina, Feministas.pt, A Coletiva, Coletivo Feminista As DEsaFiantes, Coletivo Faca, Por Todas Nós
ARTIGO DO EMBAIXADOR DE ISRAEL PUBLICADO NO PÚBLICO:
Entre o Orgulho e o Preconceito
A nossa participação em representação do Estado de Israel foi negada pela comissão organizadora da MOL - uma péssima decisão, porque não representa a Comunidade LGBTI+ mas tão só os dirigentes de uma comissão capturada por uma extrema-esquerda com tiques assustadoramente autocratas.
Em muitos países, este mês é assinalado por uma marcha do orgulho em que muitos cidadãos se reúnem para expressar o seu apoio à comunidade LGBTI+ e à sua justa luta pela igualdade. Portugal não é excepção.
No passado sábado, dia 18, e após dois anos de cancelamentos devidos à pandemia, foi organizada, em Lisboa, a 23.ª edição da MOL (Marcha do Orgulho LGBTI+ de Lisboa).
“Todas as pessoas estão convidadas a ocupar as ruas de Lisboa. A MOL (Marcha do Orgulho LGBTI+ de Lisboa) será não só um evento de celebração das conquistas alcançadas, mas também de alerta para aquelas que ainda precisam de ser”, escreveram os organizadores no seu Instagram.
Infelizmente, poucas delegações “formais” participam oficialmente nestas marchas. Essa constitui, aliás, parte da luta pelo reconhecimento institucional dos direitos da comunidade LGBTI+. O Estado de Israel acredita e trabalha para isso quotidiana e oficialmente, mas, para minha surpresa, a nossa participação foi negada pela comissão organizadora da MOL com base em argumentos políticos tão pouco sérios como pouco séria foi a convocatória que dirigiram “a todas as pessoas” no seu Instagram.
Não sei se esta decisão se baseou em ignorância, estupidez ou hipocrisia. O que fica claro é que se trata de uma péssima decisão porque não representa a Comunidade LGBTI+ mas tão somente os dirigentes de uma comissão organizadora capturada por uma extrema-esquerda com tiques assustadoramente autocratas.
E antes que nos atirem com a costumeira pedra do pinkwashing, nós antecipamo-nos a sublinhar que, queiram ou não, Israel é um Estado aberto e democrático que, sob condições difíceis, consegue manter liberdade de expressão, religião e culto para todos, que concede cidadania plena a 20% dos seus residentes árabes e que permite representação adequada para todos em cada uma das suas instituições estatais. Mais, nos últimos 75 anos, Israel tem feito e continuará a fazer tudo o que estiver ao seu alcance para conseguir a paz com os seus vizinhos.
Ora, se o objectivo da Marcha é reconhecer os direitos da Comunidade LGBTI+, fomentar a inclusão e proporcionar plena igualdade para todos, Israel é um dos principais países do mundo de onde se podem retirar bons exemplos, não só para o Médio Oriente mas para todo o mundo.
Em muitos dos países vizinhos de Israel - e especialmente na Faixa de Gaza - não há Comunidade LGBTI+ por uma razão muito simples: se alguém o assumir será sumariamente punido. Na melhor das hipóteses, com a prisão e na pior com a execução. Israel acolhe estas pessoas.
Em muitos dos países vizinhos de Israel - e especialmente na Faixa de Gaza - não há Comunidade LGBTI+ : se alguém o assumir será punido. Na melhor das hipóteses, com a prisão e na pior com a execução. Israel acolhe estas pessoas
Em vez de as ajudar a viver em liberdade e em verdade, combatendo as trevas que as privam desse direito, a comissão organizadora da Marcha do Orgulho em Lisboa prefere ater-se a uma agenda anti-sistema que controla uma narrativa de tal modo distorcida que deixa de fora muitos dos membros da comunidade LGBTI+ que devia acolher e apoiar.
Uma Marcha do Orgulho sequestrada na sua essência. Uma Marcha que não mereceu nenhuma notícia nos media tradicionais. Uma Marcha que vetou a participação de outras organizações. Uma Marcha que pode ter sido tudo menos inclusiva.
Posso, contudo, assegurar à comissão organizadora da MOL que vamos continuar a trabalhar com a Comunidade LGBTI+ portuguesa da mesma forma empenhada que trabalhamos com esta Comunidade noutros países. Afinal, há uma razão para a Marcha de Tel Aviv ser uma das maiores do mundo.
Vamos continuar a apoiar esta Comunidade nesta que é uma missão tão importante: a de dar a liberdade de ser a cada um de nós, onde quer que nos encontremos.
Esta, sim, é a voz da democracia que fala do direito à diferença e do direito ao amor.