EM DEFESA DO MOVIMENTO BDS E DO DIREITO AO BOICOTE
Assistimos nos últimos dias a uma sucessão de notícias onde se dá conta da indignação e pedido de cancelamento - por parte da Comunidade Judaica do Porto (CJP) e, posteriormente, pela Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) - dos concertos de Roger Waters agendados para os dias 17 e 18 deste mês (Março de 2023) no Altice Arena, em Lisboa. O motivo apresentado é um suposto antissemitismo veiculado pelo artista.
Embora encaremos de forma salutar a expressão e o debate público de opiniões, não podemos deixar de considerar que o mesmo se deve alicerçar na factualidade das premissas e na honestidade intelectual perante os interlocutores, algo que não verificamos na tentativa de associar o movimento BDS a movimentos antissemitas.
Neste sentido, o Comité de Solidariedade com a Palestina, enquanto apoiante do movimento internacional BDS (Boicote, Desinvestimento, Sanções), quer esclarecer o seguinte:
Sobre o BDS:
1. O movimento BDS, inspirado na luta sul-africana contra o apartheid, resulta do apelo lançado em 2005 por um extenso conjunto de organizações da sociedade civil palestiniana à comunidade internacional e a todas as pessoas de consciência, para que pressionem o Estado de Israel a agir em conformidade com o direito internacional e em respeito pelos direitos humanos.
2. Em suma, apelamos ao fim da cumplicidade de Estados, instituições, empresas e indivíduos com a violenta e sistemática opressão israelita ao povo palestiniano, através de boicotes, desinvestimentos e sanções (BDS). De resto, campanhas de boicote são um instrumento de protesto não-violento com legitimidade histórica e contemporânea reiteradamente comprovada.
3. A linha de ação do movimento BDS é orientada, entre outros, pelo antirracismo, não consentindo que nenhum grupo afiliado propague ou tolere qualquer forma de expressão de ódio, intolerância ou discriminação, nas quais se inclui naturalmente o antissemitismo.
4. São três os objetivos do movimento BDS – (1) fim da ocupação, colonização e anexação ilegal (de jure ou de facto) dos territórios ocupados da Cisjordânia, Jerusalém Oriental, Gaza e dos Montes Golã; (2) igualdade integral de direitos para os cidadãos palestinianos de Israel; e (3) garantir os direitos dos refugiados palestinianos, nomeadamente o direito de retorno. Em conjunto, estes três objectivos levam à concretização do direito de autodeterminação do povo palestiniano, em concordância com as resoluções da ONU e a Carta Universal dos Direitos Humanos.
Sobre as acusações e suas intenções:
5. Desde a sua fundação, o crescimento sustentado do movimento BDS tem sido assinalável, ao ponto de ser designado como uma “ameaça estratégica” pelo governo israelita, que desde então mobiliza recursos consideráveis para o combater e deslegitimar.
6. As acusações a Roger Waters, quando concretizadas, redundam invariavelmente no seu apoio ativo ao movimento BDS e na falaciosa qualificação deste último como movimento antissemita.
7. Tais acusações não são novas nem exclusivas a Roger Waters. Além deste, são já milhares, e em número crescente, os artistas de renome internacional, incluindo portugueses, que respeitaram o apelo da sociedade civil palestiniana e apoiaram as linhas de ação do movimento BDS: Ken Loach, Nicolas Jaar, Elvis Costello, Vanessa Paradis, entre muitos outros.
Sobre a instrumentalização do combate ao antissemitismo:
8. Serve isto para esclarecer que a campanha contra Roger Waters não é um caso isolado, mas antes revela uma crescente utilização abusiva por parte de Israel do termo “antissemitismo”, instrumentalizado como forma de intimidação e silenciamento. Procura-se confundir e equivaler, no debate público, o conceito de “antissemitismo” com o de “antissionismo”, ou seja, o discurso crítico e legítimo a uma ideologia colonial anacrónica e ao Estado que a materializa. O caráter colonial do sionismo é evidenciado pela sua expansão ininterrupta pelo território da Palestina, Líbano e Síria há já 74 anos, naquilo que constitui um crime contra a humanidade, tal como o confirmam os relatórios das duas maiores organizações de direitos humanos do mundo, Amnistia Internacional e Human Rights Watch.
9. O recurso a estes expedientes difamatórios tem ganho força legal nos EUA, na Alemanha e noutros países, através de leis que criminalizam o BDS e constituem um preocupante condicionamento à liberdade de expressão.
10. No que respeita à CJP e à sua atual liderança, esta estratégia é evidente, desde logo pela inclusão de um espaço exclusivamente dedicado ao BDS no Museu do Holocausto do Porto, de sua iniciativa e gestão, privilegiando a propaganda em detrimento da função pedagógica do referido museu.
A utilização grosseira, ligeira e ad nauseam de acusações espúrias de antissemitismo contra quem, legitimamente, critique as violações de direitos humanos e do direito internacional perpetradas pelo Estado de Israel é para nós preocupante, por banalizar um assunto cuja gravidade nos deveria impor alguma seriedade, e é especialmente criticável num momento em que o actual governo de extrema-direita fascista Israelita intensifica a sua perseguição racista ao povo palestiniano.