A África do Sul apela à comunidade internacional para que responsabilize Israel pelas violações do direito internacional
EMITIDO PELO DEPARTAMENTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COOPERAÇÃO
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Estamos a assistir a um genocídio. Durante esta semana, o regime sionista deu mais um passo em frente no seu plano de completa destruição de Gaza. O povo palestiniano vem-no dizendo há muitas décadas, e revisitando a definição de genocídio que o artigo 6º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional oferece, é impossível negá-lo. Raz Segal, historiador israelita e professor de estudos do holocausto e genocídio na Universidade de Estocolmo, afirma que “o ataque a Gaza pode ser entendido [...] como um caso clássico de genocídio a desenrolar-se à frente dos nossos olhos.”
Desde o passado sábado, o governo israelita tem prometido dizimar toda uma região com mais de 2 milhões de pessoas, onde metade são crianças, como punição coletiva em resposta às ações do Hamas (o que, também diz o direito internacional, é um crime de guerra). Na segunda-feira, 9 de outubro, o ministro da Defesa israelita, Yoav Gallant, anunciou que o seu governo iria impor um cerco total em Gaza – “sem eletricidade, sem comida, sem água, sem gás. Tudo fechado.” Já as bombas continuam a cair. Na passada quinta-feira, o governo sionista afirmou que, em seis dias, largou cerca de 6.000 bombas em Gaza. Para comparação, o número de bombas máximo lançadas num ano na guerra do Afeganistão foi um pouco acima de 7.423; durante toda a guerra na Líbia, a NATO confirmou ter mandado cerca de 7.600.
É difícil estimar com certeza números de mortes durante uma carnificina como a que se assiste mas, até à tarde de 15 de outubro, o Ministério da Saúde Palestiniano confirma o assassinato de mais de 2600 pessoas na Faixa de Gaza. Segundo a organização de direitos de crianças palestiniana Defence for Children International, mais de 700 são crianças. Cerca de um milhão de pessoas palestinianas perderam ou tiveram de abandonar as suas casas. Mais de 12 jornalistas foram assassinados em Gaza durante esta semana. A Organização das Nações Unidas (ONU) confirmou também que 14 dos seus trabalhadores foram mortos, e cinco da Cruz Vermelha.
O exército sionista bombardeou a Universidade Islâmica de Gaza, mesquitas, hospitais, escolas – incluindo das Nações Unidas – campos de refugiados, a passagem de Rafah, onde centenas de pessoas palestinianas tentavam atravessar a fronteira com o Egipto — e impedindo a entrada de ajuda humanitária –, redações de órgãos de comunicação social, e inteiros quarteirões de prédios residenciais e pequenos negócios. A Human Rights Watch confirma o uso de fósforo branco por parte do exército, proibido em áreas de grande densidade populacional.
Na quarta-feira, dia 11, a única central elétrica de toda a Faixa de Gaza ficou sem energia. Desde então, profissionais de saúde dependem de geradores para prestar cuidados, incluindo cuidados intensivos e salas de operações.
Ontem, o Estado israelita avisou a ONU que teriam 24 horas para evacuar mais de um milhão de pessoas que vivem no Norte de Gaza. A ONU considerou o ultimato “impossível” de executar, a Organização Mundial de Saúde alerta que é uma “sentença de morte” para todos os pacientes vulneráveis em hospitais. Várias famílias abrem caminho entre destroços e estradas cortadas para se refugiarem no sul, sem fazerem ideia se será seguro ou não (há, neste momento, vários relatos de ataques israelitas contra quem procura fazer esse percurso). Outras organizações, como a Crescente Vermelha, decidem ficar: "Apesar das ameaças da ocupação de bombardear, a decisão foi tomada. Não partimos e não partiremos. Os nossos profissionais de saúde continuarão a desempenhar suas tarefas humanitárias. Não deixaremos as pessoas enfrentarem a morte sozinhas." Também a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA) recusa-se a evacuar as escolas onde milhares de pessoas se encontram refugiadas. Algumas pessoas procuraram refúgio fora das suas casas, numa repetição da Nakba, mas estima-se que a maioria das habitantes do Norte de Gaza também tenha decidido ficar.
E, enquanto tudo isto acontece, Estados e instituições europeias e portuguesas solidarizaram-se exclusivamente com um Estado colonial que pratica uma limpeza étnica a todo um povo, enquanto avança um regime de Apartheid na Palestina denunciado pelo povo palestiniano há décadas e reconhecido por organizações internacionais como a Human Rights Watch e a Amnistia Internacional . O primeiro-ministro, António Costa, a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, foram rápidas a oferecer a sua solidariedade e apoio às vítimas Israelitas, afirmando que “a Europa está ao lado de Israel e do seu povo.” A Câmara Municipal de Lisboa hasteou uma bandeira israelita; a Câmara Municipal do Porto iluminou-se com as cores da sua bandeira; o Parlamento português, assim como o Parlamento europeu, também. Estas ações equivalem a uma carta branca para Israel executar a carnificina anunciada.
Apelamos a uma urgente pressão política que impeça o Estado israelita de continuar a cometer genocídio contra a população de Gaza: exigimos imediatamente um cessar dos ataques do Estado israelita, a entrada de ajuda humanitária em Gaza, proteção da ONU para os palestinianos em Gaza e um embargo de armas ao regime sionista. A nossa posição é clara: este genocídio, a decorrer com a conivência e apoio financeiro da Europa, não é feito em nosso nome.
Assinam este texto:
A Coletiva
Alvorada | Nova Medical School
Associação de Combate à Precariedade - Precários Inflexíveis
Alkantara Associação Cultural
Associação Habita
As Feministas.pt
Bloque Nacionalista Galego - Assembleia de Portugal
Casa é Um Direito
CIDAC
Chão das Lutas
Coletivo Andorinha - Frente Democrática Brasileira em Lisboa
Colectivo de Solidariedade Mumia Abu-Jamal
Colectivo Humans Before Borders
Coletivo pela Libertação da Palestina
Colombina Clandestina
Comité de Solidariedade com a Palestina
Consciência Negra
Cooperativa Mula
Disgraça
Espaço Alkantara
Fado Bicha
Jornal MAPA
KILOMBO – Plataforma de Intervenção Anti-Racista
Manas
MAR - Movimento Anti-Racista
Mbongi67
Mulheres Negras Escurecidas (MNE)
Nossa Fonte - Associação de Intervenção e Difusão Cultural
Palestina em Portugal
Plataforma de solidariedade com os Povos do Curdistão
Plataforma Gueto
PENHASCO
Por Todas Nós
Revista ECOSSOCIALISMO
Sindicato dos Trabalhadores de Call Center
Sirigaita
Stop Despejos
Zona Franca nos Anjos
Por António Louçã
Na sequência do ataque levado a cabo em 7 de outubro por forças do Hamas contra bases militares e instalações civis em território israelita, impôs-se em grande parte da imprensa um livro de estilo não-escrito, que tacitamente obriga a designar o Hamas como “terrorista”. Os motivos para a designação estariam no ataque sem prévia declaração de guerra, na morte ou sequestro de civis e nos requintes de crueldade descritos por várias testemunhas.
A designação de “terrorista” tem uma história longa e convém lembrar duas ou três coisas a seu respeito. Ela é quase sempre aplicada a quem se insurge contra uma opressão de tal modo esmagadora que dá por suposta a inutilidade de qualquer resistência. Aquilo que faz o ou a “terrorista” não são os métodos mais ou menos violentos, e em qualquer caso sempre menos mortíferos que os da potência opressora. O que faz o “terrorismo” para a opinião publicada é, geralmente, a veleidade de recusar o que devia ser aceite como inevitável.
Como temos visto abundantemente, também na imprensa portuguesa a designação de “terrorista” é usada correntemente sobre o Hamas, até por jornalistas de reputação firmada, a quem, no entanto, nunca passaria pela cabeça designar o Estado de Israel como “terrorista”. Também em Portugal a palavra tem a sua história, que ajuda a entender este seu actual regime de utilização.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a maioria da imprensa portuguesa (e não só jornais declaradamente fascistas como a Época ou o Diário da Manhã) fazia-se eco da designação de “terroristas” propalada pelos serviços de Goebbels contra os movimentos de resistência na Europa ocupada. E esses serviços esganiçavam-se com uma particular estridência sempre que os membros da resistência fossem judeus, porque aí se tratava precisamente daquela parte da população que era suposto deixar-se conduzir às câmaras de gás “como carneiros para o matadouro”.
Para a imprensa portuguesa dos anos 1960 e início dos anos 1970, eram “terroristas” as grandes figuras da libertação africana – desde logo Eduardo Mondlane, Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Samora Machel, mas também Ben Bella, Patrice Lumumba, Kwame Nkrumah, Nelson Mandela.
A ligeireza com que a palavra era usada nos tempos do fascismo teve uma natural contrapartida na desenvoltura com que depois foi arquivada na era das independências africanas. Como era preciso fazer negócios com as cleptocracias que iam crescendo nas ex-colónias portuguesas, os mesmos que antes acusavam os dirigentes angolanos de “terroristas” passaram a indignar-se com qualquer denúncia da corrupção angolana. E o mesmo dirigente do ELP que em tempos fora expulso do Exército português por roubar batatas tornou-se grande amigo de Nino Vieira.
Mas até em regime de democracia se continuou a encarar como “terroristas” os dirigentes das lutas de libertação que não tivessem obtido sucesso (ou que ainda não o tivessem obtido, e a curteza de vistas reinante não concebia que viessem alguma vez a obtê-lo). Assim, um primeiro-ministro português deixou claro o seu apoio à prisão perpétua do “terrorista” Nelson Mandela em Robben Island, por pensar que o apartheid seria eterno.
O indiscutível “terrorista” que normalmente não era assim designado na imprensa portuguesa, especialmente depois de ter recebido um inacreditável Prémio Nobel da Paz, foi Menahem Begin. Membro da milícia colonial-fascista Irgun, ele tinha podido escapar a essa classificação enquanto “apenas” se dedicou a massacrar populações de aldeias árabes. Só passou a ser considerado um “terrorista” quando teve a infeliz ideia de fazer explodir o Hotel King David, matando quase uma centena de pessoas, entre elas dezenas de britânicos. Anos mais tarde, ainda e sempre com um mandado de captura britânico em seu nome, chegou a primeiro-ministro israelita e a imprensa portuguesa preferiu alinhar com o livro de estilo da norte-americana e ignorar o da britânica: a biografia terrorista de Begin foi quase sempre obliterada e ele passou a ser um “obreiro da paz”.
Mesmo assim, não deixa de ser chocante que grande parte da imprensa portuguesa falada e escrita siga agora o guião das imprensas dos EUA e de Israel. Quando o soldado israelita Elor Azaria abateu friamente o prisioneiro palestiniano agonizante Abed al-Fattah Yusri al-Sharif não foi considerado um “terrorista”. Em Israel foi condenado a 18 meses de prisão, mas grande parte da opinião pública celebrou-o como um “herói”. Já um adolescente palestiniano que pendure uma bandeira do seu país num sinal de trânsito é abatido sem contemplações como “terrorista”.
Tal como na guerra colonial portuguesa, é relativamente fácil calcular o número de militares portugueses mortos pela guerrilha, mas muito mais difícil calcular o número, incomparavelmente superior, de civis africanos mortos pela tropa colonial. O número de vítimas israelitas do ataque do Hamas parece estar agora nos 1.300. O número de vítimas palestinianas ao longo dos últimos anos tem subido constantemente. Quantas serão por cada vítima israelita – 5, 10, 20? Quantas serão agora, que ministros genocidas de Israel se referem às pessoas da Faixa de Gaza como “animais” e que recebem luz verde das democracias ocidentais para matarem quantas quiserem?
O ataque levado a cabo pelo Hamas foi uma acção que, apesar do efeito de surpresa e de um planeamento surpreendentemente eficaz, não fazia qualquer sentido de um ponto de vista militar. De um ponto de vista político, só o futuro dirá se daqui pode resultar um sinal de alarme para o mundo que tinha esquecido a existência do povo palestiniano, e também um sobressalto para as políticas árabes de normalização de relações com uma potência colonizadora e genocida.
Admitindo que também o balanço político venha a ser negativo, e que portanto toda a acção venha a revelar-se como completamente estúpida, não devemos confundir estupidez com ilegitimidade. A resistência à colonização é legítima.
Uma superpotência regional que todos os dias leva a cabo acções de guerra não declarada contra o Líbano ou contra a Síria, e frequentemente também contra o Irão, que regularmente bombardeia alvos em Gaza, assassina ou prende suspeitos pela calada da noite, essa superpotência não pode nunca queixar-se do que noutro contexto as Convenções de Genebra considerariam efectivamente um crime de guerra. Atacar Israel foi uma decisão talvez estúpida mas certamente legítima por parte do Hamas.
Outra prática tipificada como crime de guerra na lei internacional é a de capturar, deportar ou matar civis. É aquilo que Israel toda a vida tem feito, em números incomparavelmente superiores, e que agora se prepara para fazer no quadro de uma segunda Nakba – uma limpeza étnica de milhões.
Mas não podemos refugiar-nos numa discussão whataboutista perante a pergunta: E não cometeu o Hamas crimes desses, nas bases militares e nas povoações que atacou? Sim, certamente. Alguns deles estão documentados, como a captura de pessoas de idade ou de crianças. A captura e sequestro de pessoas com estas características é altamente condenável e por isso faz todo o sentido a proposta do Qatar de que sejam imediatamente trocadas por anciãos ou crianças palestinianas nas cadeias israelitas. Mesmo que, previsivelmente, os carcereiros israelitas não aceitem a proposta qatari, o Hamas deveria libertar os velhos e crianças, nesse caso unilateralmente.
Outras pessoas capturadas seriam também civis inocentes e surpreendidos no sítio errado à hora errada. Convém entretanto lembrar que os colonos israelitas não são civis e sim milicianos da ocupação, sempre com treino militar, com armas próprias mesmo que não as tivessem consigo no momento da captura. Qualquer homem ou mulher em idade de empunhar uma arma devia ser presumido pelas tropas do Hamas como combatente inimigo e tratado como prisioneiro de guerra (não segundo as normas de Elor Azaria).
Numa guerra justa também se cometem crimes de guerra. A diferença é que esses crimes prejudicam a causa da libertação e devem portanto ser combatidos por nós, que a apoiamos. Numa guerra colonial e genocida, como a do Exército israelita, os crimes de guerra são um instrumento imprescindível do terror que se quer exercer sobre as populações civis. Por isso, a imprensa que fecha os olhos à ocupação nunca terá esse mínimo de equanimidade que consistiria em aplicar ao genocídio sionista a designação de “terrorista”.
É um desafio manter a nossa bússola moral quando a sociedade a que pertencemos - tanto os dirigentes sociais como os meios de comunicação social - se arroga o lugar de líder moral e espera que partilhemos com eles a mesma fúria justa com que reagiram aos acontecimentos do passado sábado, 7 de outubro.
Só há uma maneira de resistir à tentação de aderir: se compreendermos, em determinada altura da nossa vida - mesmo como cidadãos judeus de Israel - a natureza colonial do sionismo e ficarmos horrorizados com as suas políticas contra o povo indígena da Palestina.
Se tiverem essa perceção, não vacilemos, mesmo que as mensagens venenosas retratem os palestinianos como animais, ou "animais humanos". Essas mesmas pessoas insistem em descrever o que aconteceu no sábado passado como um "Holocausto", abusando assim da memória de uma grande tragédia. Estes sentimentos estão a ser transmitidos, dia e noite, pelos meios de comunicação social e pelos políticos israelitas.
É esta bússola moral que me levou, e a outros na nossa sociedade, a apoiar o povo palestiniano de todas as formas possíveis; e que nos permite, ao mesmo tempo, admirar a coragem dos combatentes palestinianos que tomaram mais de uma dúzia de bases militares, vencendo o exército mais forte do Médio Oriente.
Além disso, pessoas como eu não podem deixar de levantar questões sobre o valor moral ou estratégico de algumas das acções que acompanharam esta operação.
Porque sempre apoiámos a descolonização da Palestina, sabíamos que quanto mais tempo a opressão israelita durasse, menos provável seria que a luta de libertação fosse "estéril" - como tem sido o caso em todas as lutas justas de libertação no passado, em qualquer parte do mundo.
Isto não significa que não devamos estar atentos ao panorama geral, nem sequer por um minuto. O quadro é o de um povo colonizado que luta pela sua sobrevivência, numa altura em que os seus opressores elegeram um governo que está decidido a acelerar a destruição, na verdade a eliminação do povo palestiniano - ou mesmo a sua própria reivindicação de ser um povo.
O Hamas tinha de atuar, e rapidamente.
É difícil exprimir estes contra-argumentos porque os meios de comunicação social e os políticos ocidentais alinharam com o discurso e a narrativa israelitas, por mais problemáticos que fossem.
Pergunto-me quantos dos que decidiram revestir o Parlamento de Londres e a Torre Eiffel de Paris com as cores da bandeira israelita compreendem verdadeiramente a forma como este gesto aparentemente simbólico é recebido em Israel.
Mesmo os sionistas liberais, com um mínimo de decência, leram este ato como uma absolvição total de todos os crimes que os israelitas cometeram contra o povo palestiniano desde 1948; e, por conseguinte, como uma carta branca para continuar com o genocídio que Israel está agora a perpetrar contra o povo de Gaza.
Felizmente, houve também diferentes reacções aos acontecimentos que se desenrolaram nos últimos dias.
Tal como no passado, vastos sectores das sociedades civis no ocidente não se deixam enganar facilmente por esta hipocrisia, já em plena exibição no caso da Ucrânia.
Muitas pessoas sabem que, desde junho de 1967, um milhão de palestinianos foram presos pelo menos uma vez na vida. E com a prisão, vêm os abusos, a tortura e a detenção permanente sem julgamento.
Essas mesmas pessoas também conhecem a terrível realidade que Israel criou na Faixa de Gaza quando sitiou a região, impondo um cerco hermético, a partir de 2007, acompanhado pela matança implacável de crianças na Cisjordânia ocupada. Esta violência não é um fenómeno novo, pois tem sido a face permanente do sionismo desde o estabelecimento de Israel em 1948.
Graças a essa mesma sociedade civil, meus caros amigos israelitas, o vosso governo e os vossos meios de comunicação social acabarão por se revelar errados, uma vez que não poderão reclamar o papel de vítimas, receber apoio incondicional e sair impunes dos seus crimes.
Acabará por surgir o panorama geral, apesar da parcialidade inerente dos meios de comunicação ocidentais.
A grande questão, porém, é esta: serão vocês, meus amigos israelitas, capazes de ver claramente este mesmo quadro geral? Apesar de anos de doutrinação e engenharia social?
E não menos importante, serão capazes de aprender a outra lição importante - uma lição que pode ser retirada dos acontecimentos recentes - de que a força pura e simples não consegue encontrar o equilíbrio entre um regime justo, por um lado, e um projeto político imoral, por outro?
Mas há uma alternativa. De facto, sempre houve uma:
Uma Palestina descolonizada, libertada e democrática desde o rio ao mar; uma Palestina que acolha os refugiados e construa uma sociedade que não discrimine com base na cultura, na religião ou na etnia.
Este novo Estado trabalharia para retificar, tanto quanto possível, os males do passado, em termos de desigualdade económica, de roubo de propriedade e de negação de direitos. Isto poderia anunciar uma nova aurora para todo o Médio Oriente.
Nem sempre é fácil mantermo-nos fiéis à nossa bússola moral, mas se ela apontar para o norte - para a descolonização e a libertação - então é muito provável que nos guie através do nevoeiro da propaganda venenosa, das políticas hipócritas e da desumanidade, muitas vezes perpetrada em nome dos "nossos valores ocidentais comuns".
Artigo publicado no Haaretz em 8/10/2023: https://www.haaretz.co.il/opinions/2023-10-08/ty-article/.premium/0000018b-0aac-dae9-adcb-abbf619e0000?utm_source=App_Share&utm_medium=iOS_Native
É impossível aprisionar dois milhões de pessoas sem esperar um preço cruel
Por Gideon Levy
Por detrás de tudo isto está a arrogância israelita. Pensamos que temos autorização para fazer tudo e mais alguma coisa e partimos do princípio de que nunca pagaremos, nunca seremos punidos. E pensamos que vamos continuar e que nada nos vai interromper. Prenderemos, mataremos, abusaremos, despojaremos, protegeremos os colonos e os seus pogroms, iremos ao túmulo de José, ao túmulo de Ot'niel, ao altar de Josué, todos nos territórios palestinianos, e, claro, ao Monte do Templo - mais de 5.000 judeus só no Sukkot. Dispararemos sobre inocentes, arrancaremos os seus olhos e esmagaremos os seus rostos, expulsá-los-emos, expropriá-los-emos, roubá-los-emos, raptá-los-emos das suas camas, sujeitá-los-emos a limpezas étnicas e, claro, continuaremos o incrível cerco a Gaza. E partiremos do princípio de que tudo correrá como habitualmente.
Pensámos que, com a construção de uma super barreira à volta da Faixa de Gaza, cujo muro subterrâneo custou três mil milhões de shekels, estávamos seguros. Confiávamos que seríamos avisados a tempo pelos génios do 8200 (unidade de escuta dos serviços secretos militares) e pelos omniscientes do Shin Bet. Pensámos em deslocar metade do exército dos arredores de Gaza para Hawara, só para proteger as loucuras de Zvi Sukkot e dos colonos, e tudo ficaria bem, tanto em Hawara como em Erez. Acontece que, quando há grande motivação, o obstáculo mais sofisticado e caro do mundo pode ser transposto até por um simples bulldozer e com relativa facilidade. É possível atravessar esse muro com bicicletas e trotinetas, apesar de todos os milhares de milhões investidos nele e apesar de todos os especialistas e seus empreiteiros terem enriquecido.
Pensámos que iríamos continuar a assediar Gaza, a atirar-lhes algumas migalhas de bondade sob a forma de alguns milhares de autorizações de trabalho em Israel - uma gota no oceano, e estas estão sempre condicionadas a um "comportamento correto" - e, no entanto, assumimos que iríamos continuar a mantê-los em condições semelhantes às de uma prisão.
Pensámos que, ao fazer a paz com a Arábia Saudita e os Emirados, os palestinianos seriam esquecidos, até serem apagados, como muitos israelitas gostariam. Continuaríamos a manter milhares de prisioneiros palestinianos, incluindo prisioneiros sem julgamento, a maioria deles prisioneiros políticos, e, no entanto, não aceitaríamos discutir a sua libertação, mesmo depois de décadas na prisão. Dir-lhes-íamos que só pela força é que os seus prisioneiros veriam a liberdade. Pensámos que continuaríamos a rejeitar arrogantemente qualquer tentativa de solução política, simplesmente porque não é do nosso interesse fazê-lo, e pensámos que provavelmente continuaria assim para sempre.
Mais uma vez se provou que não era esse o caso. Algumas centenas de militantes palestinianos romperam o arame e invadiram Israel de uma forma que nenhum israelita alguma vez imaginou que pudesse acontecer. Algumas centenas de militantes palestinianos provaram que é impossível aprisionar dois milhões de pessoas para sempre sem cobrar um preço cruel. Tal como ontem o bulldozer palestiniano, antiquado e cheio de fumo, derrubou a vedação, a mais sofisticada de todas as vedações, derrubou também o manto de arrogância de Israel. E também destruiu a ideia de que basta atacar e desmantelar Gaza com drones suicidas e vendê-los a meio mundo para manter a segurança.
Israel viu ontem imagens que nunca tinha visto: veículos militares palestinianos a patrulharem a cidade, ciclistas de Gaza a entrarem pelos seus portões. Estas imagens devem rasgar o véu da arrogância. Os palestinianos de Gaza decidiram que estão dispostos a pagar qualquer preço por uma centelha de liberdade. Mas será que isto tem algum potencial? Não. Israel aprenderá a sua lição? Não.
Ontem, já se falava em arrasar bairros inteiros da cidade de Gaza, ocupar a Faixa de Gaza e castigar Gaza "como nunca foi castigada antes". Mas Gaza não deixou de ser castigada por Israel desde 1948, nem sequer por um momento. Mais de sete décadas de abusos e, mais uma vez, o pior ainda está para vir. As ameaças de "arrasar Gaza" só provam uma coisa: não aprendemos nada. A arrogância veio para ficar, mesmo depois de Israel, mais uma vez, pagar um pesado preço.
Benjamin Netanyahu tem uma grande responsabilidade pelo que aconteceu e tem de pagar os custos, mas a questão não começou com ele e não terminará após a sua partida. Agora temos de chorar amargamente pelas vítimas israelitas; mas também temos de chorar por Gaza. Gaza, onde a maioria dos seus habitantes são refugiados criados por Israel. Gaza, que nunca conheceu um único dia de liberdade.
Declaração do Palestinian BDS National Committee (BNC), publicada em 7/10/2023
O governo de extrema-direita de Israel, o mais racista, fundamentalista e fanático de sempre, tem vindo a intensificar impiedosamente a sua limpeza étnica, cerco, assassinatos, encarceramento e humilhações diárias de milhões de palestinianos na Faixa de Gaza ocupada e na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental.
O movimento BDS condena veementemente os governos do Ocidente colonial por, mais uma vez se colocarem hipocritamente ao lado do apartheid de Israel e adoptarem devidamente a sua cronologia enganosa da atual "violência", como se tudo tivesse começado esta manhã com a poderosa reação armada dos palestinianos oprimidos em Gaza. Esta cronologia distorcida destina-se a esconder a violência colonial inicial e crescente do opressor, que dura há décadas.
O governo de extrema-direita de Israel, o mais racista, fundamentalista e fanático de sempre, tem vindo a intensificar impiedosamente a sua limpeza étnica, o bloqueio, os assassinatos, o encarceramento e a humilhação diária de milhões de palestinianos na Faixa de Gaza ocupada e na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental. Acredita que a sua brutalidade assumida obrigará os palestinianos a renderem-se e a aceitarem a opressão como um destino.
Embriagado pelo poder e pela impunidade, em resultado da conivência, financiamento e armamento incondicionais dos EUA e da Europa, bem como da vergonhosa normalização e alianças militares com ditaduras árabes, com a cumplicidade da Autoridade Palestiniana, o regime de Netanyahu achou que era altura de enterrar de vez a "questão da Palestina".
Ignorando este contexto fundamental, o coro ocidental vem, mais uma vez, criticar os "ataques violentos" palestinianos contra Israel.
Independentemente da forma como as pessoas no mundo vêm a resistência armada e como o direito internacional a regula, elas não podem deixar de concordar com o pedagogo brasileiro Paulo Freire quando diz:
"Com o estabelecimento de uma relação de opressão, a violência já começou. Nunca na história a violência foi iniciada pelos oprimidos. ... A violência é iniciada por aqueles que oprimem, que exploram, que não reconhecem os outros como pessoas - não por aqueles que são oprimidos, explorados e não reconhecidos."
Uma vez que a opressão é a causa original da violência, para acabar com toda a violência - a violência inicial e contínua do opressor e a resistência reactiva dos oprimidos - temos de agir para acabar com a opressão. Como ficou provado na luta sul-africana que desmantelou o apartheid, expor e acabar com a cumplicidade dos Estados, das empresas e das instituições no regime de colonização e apartheid de Israel que dura há 75 anos, especialmente através de tácticas de BDS, são as formas mais éticas e estratégicas de solidariedade internacional para acabar com toda a opressão e toda a violência. Só assim poderemos alcançar a liberdade, a justiça, a igualdade e a dignidade.
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