A civilização dos bárbaros
Ehud Olmert, primeiro ministro de Israel, acaba de manifestar o seu pesar pelas mortes e danos casusados aos civis em Gaza. Já a sua antecessora Golda Mair dizia “nunca perdoaremos aos árabes obrigarem-nos a matar os seus filhos”.
Foram 1320 os mortos e 5600 feridos, cerca de 30% crianças. As perdas de Israel cifram-se em 13 mortos, dos quais 3 civis.
Israel atacou e invadiu Gaza alegando estar a ser agredido. Como sublinhou o dr. Fernando Nobre, na sessão de lançamento do Fórum Pela Paz e Pelos Direiros Humanos, estranha agressão essa em que o agressor sofre 100 vezes mais baixas que o agredido.
O bombardeamento sistemático de Gaza, por terra, ar e mar durante toda a operação, a intervenção dos carros de combate pesados destruindo tudo à sua passagem, nomeadamente as oliveiars arrancadas pela raiz para limpar os campos de tiro, deixariam o território inabitável, se os palestinianos não estivessem já habituados a verem as suas terras e casas destruídas pelo exército israelita desde há mais de 60 anos. A população de Gaza vai voltar às suas casas e reiniciar a lenta e dolorosa reconstrução de tudo o que foi destruído sistematicamente, sem terem onde se abrigar com temperaturas inferirores aquelas que aqui levam a Protecção Civil a decretar alerta laranja, sem terem que comer nem com que se tratar.
Por isso que, nesta situação de agressão bárbara, falar da necessidade de meter o Hamas no mesmo saco que os israelitas, porque é disso que se trata quando se acha que quando condenamos a agressão isarelita não podemos deixar de condenar a do Hamas, não cola bem.
O Hamas é um grupo fundamentalista, que tem um objectivo de poder arcaico e brutal, assente na subordinação política por via ideológica ou religiosa, como os judeus ortodoxos que, se não mandam, impõem a sua vontade em Israel. Mas o Hamas, perante a decadência e a capitulação da OLP face às manobras dos árabes e ocidentais, perante o poder colonial esmagador e a violência inumana do apartheid sionista, respondeu aos anseios do seu povo: apoio social ímpar, combate à corrupção, radicalidade na resistência necessária à dignidade daquele povo. Por isso foi escolhido para governar, nas únicas eleições democráticas nos países árabes.
O Hamas só ganhou força, ajudado e empurrado pelos isarelitas, porque a essência laica, democrática, plural e socialista da OLP se esfumou quando a primeira intinfada que ganhara a consciência e o apoio emocionado dos povos de todo o mundo foi traída; e o ímpeto e o heroísmo da juventude palestiniana foi entregue de bandeja ao inimigo colonial, nas negociações de Camp David e nos acordos de Oslo, a troco de um reconhecimento formal da Autoridade Palestiniana, sem qualquer autoridade soberana , encarrregada de manter o povo na ordem e ajoelhada perante a potência colonial culpada dos mais bárbaros crimes contra esse mesmo povo. Nenhuma reivindicação da luta de décadas da OLP foi satisfeita, nem sequer a devolução dos territórios ocupados.
O único território desocupado foi Gaza, por Sharon, para ficar disponível para as incursões de demolição e assassinato, para bombardeamentos e invasões militares que a presença dos colonos dificultava.
Sejamos claros, até porque um simples olhar de relance, minimamente descomprometido, não permite qualquer disfarce: a estratégia sionista, assumida desde sempre pelos governantes israelitas, e que atingiu agora um dos seus pontos culminantes, é a expulsão dos palestinianos da sua terra, no seguimento de todo um processo velho de cem anos. A primeira-ministra Golda Mair asseverava, em 1969 que os judeus não precisavam dos palestinianos para nada, aliás de acordo com a doutrina sioniosta que preconiza que a nação judaica deve ter as suas próprias classes sociais, incluindo a classe operária, pelo que os árabes não deviam ser explorados mas substituídos na sua totalidade.
Os que preconizavam um lar para os judeus na Palestina (fartos de perseguições, pogroms e expulsões, até ao holocausto final) tinham consciência de que tinham que ir ocupar terras de outrém: “do exterior somos levados a crer a que a Palestina é um territótio despovoado. Mas a verdade é que é difícil encontrar terras aráveis que não estejam cultivadas” dizia o judeu ucraniano
Ahad Haam por volta de 1892.
Depois – o judaísmo não se afirma apesar da história mas através da história, como dizia Marx - com a ajuda interesseira, mas desinteressada das pessoas, do colonialismo inglês e da bestialidade negra do nazismo, manobrando pelos interstícios da malha balcanizada do médio oriente depois da primeira guerra, o sionismo armou-se e preparou-se.
Esse processo passou pelo terrorismo contra os próprios ingleses e logo contra os camponeses palestinianos numa limpeza preparatória da formação do Estado de Israel imposto pelas potências colonizadoras através da ONU .
A derrota dos exércitos árabes pelo recém formado Estado de Israel em 1948 teve como consequência o abandono das suas casas e terras por dois terços da população palestiniana que iniciou assim um longo calvário como refugiados em terra alheia e não poucas vezes enfrentando a hostilidade de governos e facções árabes que levaram a massacres e chacinas com a cumplicidade das forças ocidentais, como o setembro negro na Jordânia, a chacina no Libano, durante a guerra civil, levada a cabo pelas tropas sírias e os massacres de Sabra e Chatila pela falange cristã, com a ajuda dos ocupantes israelitas.
Desde o confronto de 1948 que a estratégia israelita, de expulsão dos palestinianos da sua terra, passou a assentar na propaganda da ameaça árabe à existência do Estado de Israel como justificação para todas as atrocidades cometidas, quando é sobejamente conhecido que a causa palestiniana de uma pátria livre e soberana nada tem a ver com quaisquer posições ou reivindicações árabes nem sequer, desde há muito, com a unidade da nação árabe.
Tal propaganda não tem qualquer base mínima objectiva desde a guierra de Yon Kipur, quando o Exército egípcio levou de vencida o imbatível exército de Israel, logo recuando em seguida sem ter imposto as condições mínimas que se exigiam na altura e ainda hoje persistem: devolução dos Montes Golan à Síria e retirada dos territórios ocupados por Israel.
Ficou provado que a mítica ameaça ameaça árabe à existência de Israel não passa de propaganda e de justificação para a sua política de expulsão dos palestinianos da palestina
Ehud Olmert está compungido, mas nós estamos ainda mais porque sabemos que ele e os outros dirigentes israelitas, deste e de outros governos, não vão ser julgados como criminosos de guerra no TPI .
O espantoso, será?, nesta incomensurável tragédia que é a perseguição e o massacre de gerações de palestinianos, é que a “sociedade civilizada” assiste a tudo isto de mãos postas e propositadamente atadas, decidida a garantir... a segurança de Israel!
O Embaixador israelita nas Nações Unidas, Aharon Leshno-Yaar, interpelou a Comissão dos Direitos Humanos da ONU, reunida em Genebra, de 12 de Janeiro último, e o representante da Autoridade Palestiniana, sobre se estavam convencidos que as resoluções da ONU serviam para alguma coisa! E deixou claro que “vocês têm-se entretido com resoluções e nós vamos fazendo o que nos apetece”. Assim, mais coisa menos coisa.
É preciso que nos entendamos: vão fazendo o que lhes apetece porque as principais potências (prineiro com a desculpa da guerra fria, agora porque sim.) estiveram sempre claramente dispostas a impedir a afirmação de uma nação democrática, laica e progressista no Médio Oriente, que era o caso da OLP antes de se ter deixado corromper e passar da troca de “paz por terra” para a troca de “terra por dólares”.
A vista grossa vai ao ponto de nem sequer o facto de ter sido decretada a marginalização do processo eleitoral dos partidos árabes de Isarel ter feito enrugar as amplas testas dos senhores dos Estados altamente civilizados e poderosos.
E vêm falar-me do Hamas!? Lembram-se quando Pierre Bourdieu encabeçou um abaixo assinado insurgindo-se em termos violentos contra o governo francês e todas as nações democráticas e civilizadas por não reconhecerem a vitória eleitoral democrática do FIS na Argélia, apoiando a solução militar e fascistóide, do que resultou a explosão do terrorismo fundamentalista? Algo parecido aconteceu na Palestina.
A simplicidade da solução para a Palestina é esta: basta reconhecer o Estado Independente e Soberano da Palestina. E todos sabemos que isso não é ameaça nenhuma para Israel. Antes pelo contrário:é a garantia do seu sossego.
Por isso é que eu, quando me vêm com o Hamas convido-os a olhar, já nem falo no Bush, mas para os limpinhos da UE, a começar pelo nosso introspectivo mas simpático ministro dos negócios estrangeiros.
Mário Tomé