Hipocrisia do governo de Olmert nas negociações sobre Shalit
O governo demissionário de Olmert anunciou o fracasso das negociações indirectas com o Hamas, visando trocar o soldado israelita prisioneiro desde 2006 por uma lista apresentada pelo movimento islamista. Segundo Olmert, foi a exorbitância das exigências do Hamas que fez fracassar a negociação. O Hamas estaria a exigir a libertação de várias centenas de prisioneiros condenados a penas múltiplas de prisão perpétua pelo seu papel na luta contra a ocupação.
É normal que o Hamas exija não só a libertação de várias centenas, mas até, se o fizesse, dos mais de 10.000 presos da luta nacional palestiniana detidos em cadeias israelitas. E seria normal que a parte israelita aceitasse essa assimetria das exigências do Hamas, porque ela própria considera muito menos valiosas as vidas palestinianas do que as israelitas. Assim, logo após a captura de Shalit Gaza sofreu um bombardeamento com um saldo de 394 mortes e na recente operação "Chumbo derretido" a proporção entre os mortos israelitas e os palestinianos é de um para cem (1.300 para 13), sem contar os 6.000 feridos e os 100.000 desalojados.
Além disso, o número de prisioneiros palestinianos aumenta constantemente, ao passo que os soldados ocupantes são mais difíceis de capturar. Quando Shalit foi capturado, o exército israelita imediatamente sequestrou metade do governo eleito da Autoridade Palestiniana (oito membros do Hamas nesse governo) e cerca de um terço do parlamento nacional palestiniano (vinte deputados do Hamas). Assim se abastecia de reféns que lhe servissem de moeda de troca ("bargaining chips") e, já agora, sabotava o desagradável veredicto das urnas.
Agora que as negociações fracassaram, o mesmo exército logo lançou uma nova campanha de detenções de quadros do Hamas na Margem Ocidental do Jordão (dez deputados do Hamas, quatro membros do Conselho Nacional, um ex-vice-primeiro-ministro e um professor universitário). Essa campanha não deveria, como confessadamente as autoridades israelitas pretenderam com ela, reduzir as exigências do Hamas e sim aumentá-las. Agora que há mais presos palestinianos, a lista só tem motivos para crescer.
Os intermediários egípcios na negociação, insuspeitos de qualquer simpatia pelo Hamas, testemunharam entretanto que a lista de libertações se manteve inalterada desde o início das negociações e que foi o contínuo regateio israelita a inviabilizar um acordo a certa altura tido como iminente. Aliás, um dos principais conselheiros da delegação israelita ao Cairo, o chefe do serviço secreto Shin Beth, Yuval Diskin, era assumidamente um opositor de qualquer acordo com o Hamas.
Para além da nova vaga de detenções na Cisjordânia, o governo israelita lançou uma fuga de informação sobre um debate interno que estaria a realizar no sentido de agravar ainda mais o regime prisional dos prisioneiros palestinianos. Considerando que Shalit não tem direito a visitas da sua família, afirmam os proponentes do tal agravamento, os presos palestinianos também deveriam deixar de tê-las.
Acontece que também aqui existe uma assimetria completa entre a potência ocupante e o povo que sofre a ocupação. Aquela tem um aparato de segurança quase impenetrável nas suas cadeias, ao passo que as organizações palestinianas não podem dar a conhecer o local onde conservam os seus prisioneiros, sob pena de sofrerem imediatamente um golpe de mão do exército israelita, sem quaisquer escrúpulos em derramar abundantemente o sangue de combatentes e não-combatentes palestinianos e mesmo do prisioneiro israelita.
Acresce que vários prisioneiros palestinianos são conservados numa prisão secreta no deserto do Negev, sem nunca saberem onde estão e sem nunca serem visitados pelas suas famílias, sofrendo nesse sentido uma privação de contacto com a sua família bem pior que a de Shalit. E, finalmente, é preciso sublinhar que é moeda corrente a tortura de prisioneiros palestinianos, em contraste com o bom tratamento que tem recebido Shalit, de acordo com os princípios humanitários, as Convenções de Genebra e os interesses da luta nacional palestiniana.