A Israel de Netanyahu está a Ensinar o Mundo a Lutar Contra a Ocupação
Um artigo de Bradley Burston
Existe um axioma na política israelita que defende que apenas a direita pode deitar abaixo a direita.
Não devia ser surpresa, assim sendo, que os passos, desajeitados e precipitados, tomados pelo governo de Benjamin Netanyahu – sem dúvida o mais flagrantemente à direita da história nacional - estão involuntariamente a compor um manual de como lutar contra a jóia da coroa da direita, a eterna ocupação militar de Israel nos territórios palestinianos.
Lição 1: Boicote aos colonatos
Israel passou anos a promover legislação anti-boicote e a gastar grandes esforços na asserção de que não existe diferença entre boicotar os colonatos e boicotar Israel como um todo.
A menos, claro, que seja o governo de Israel a apoiar o boicote.
Esta semana, sem qualquer lamento dos agressivos ministros pró-colonatos do gabinete, Israel aprovou um acordo de cooperação e ajuda com a União Europeia. Este pacto estabelece que empresas e organizações para além das fronteiras de Israel estabelecidas antes de 1967 - isto é, em colonatos na Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Montes Golan - não são elegíveis para fazer parte da iniciativa ou receber financiamentos.
Em português simples, Israel concordou oficialmente com um boicote aos colonatos.
Moral: Agora temos luz verde sobre a Linha Verde. Todos os que se opõem à expansão dos colonatos como obstáculo para a paz e como a principal força motriz que desgasta a democracia israelita, devem sentir-se livres - de facto, devem tomar a iniciativa - de boicotar os produtos dos colonatos.
Lição 2: Prova de que o objetivo de Israel é o domínio permanente de toda a Cisjordânia e Jerusalém Oriental
Com uma velocidade alucinante - que num universo trumpiano pode ser totalmente intencional - o partido que governa Israel passou a primeira semana do novo ano a confirmar as alegações de alguns dos seus críticos mais estridentes.
Para aqueles que há muito alegam que a Israel de Netanyahu nunca vai permitir um Estado palestiniano, certamente nunca com capital em Jerusalém, e que o objetivo de Israel é o domínio permanente e abrangente de toda a Cisjordânia e Jerusalém Oriental sem nenhuma negociação com palestinianos sobre igualdade de direitos ou auto-determinação, a resposta veio esta semana. A resposta foi: "Estiveram sempre certos."
Na véspera de Ano Novo, numa votação espantosamente unânime, o orgão governante do partido Likud, o todo-importante Comité Central, aprovou a resolução de anexar um arquipélago dominante de área de terreno da Cisjordânia, englobando todas as áreas reclamadas pelos colonatos, legalmente ou não. Embora a resolução não seja vinculativa, ela mapeia a eventual anexação pelo governo, que teria declarado a lei de Israel vinculativa para todos os israelitas da região, enquanto os palestinianos continuariam desprovidos de direitos e sob ocupação militar.
Em português simples, ou melhor, em africânder: Apartheid.
E não foi só. Mais tarde na noite de Ano Novo, o Knesset aprovou uma lei que parecia ter como intenção tornar impossível fazer negociações ou compromissos sobre as fronteiras de Israel. No final, acabou por ser pior. A lei aparentemente torna impossível lidar com o grande número de palestinianos na cidade, livrando-se de dois terços destes para um bantustão extra-municipal sombrio mas ainda sob controlo israelita. Apartheid dentro de Apartheid.
Moral: Quando a direita fala do seu desejo de paz, pergunte-lhe se está disposta a comprometer-se ou abdicar de alguma coisa. Se disserem que mudar a embaixada dos EUA para Jerusalém é um passo para a paz, ver a Lição 6 abaixo.
Lição 3: Promoção de ícones da resistência palestiniana
Na Cisjordânia, uma adolescente palestiniana esbofeteia um soldado das IDF. A menção no The New York Times e até o advogado da rapariga reconhecem que os soldados que ela enfrentou agiram com uma contenção admirável.
Israel podia ter deixado isto passar. Mas, não. Os ultra-falcões das redes sociais e ministros do gabinete de direita, esfomeados por publicidade, tropeçaram uns nos outros para uivar "sangue!", com o Ministro da Educação a pedir até prisão perpétua para Ahed Tamimi, de 16 anos. Todos os movimentos subsequentes do governo embaraçado agiram para a confirmação da adolescente como uma Joana de Arc contemporânea ou uma David feminina na história do Golias - em suma, um poderoso ícone da resistência palestiniana a uma ocupação militar colossalmente injusta, tão à deriva quanto permanente.
Após hesitar durante dias, os militares invadiram a casa de Tamimi na aldeia de Nebi Saleh, pela calada da noite. Prenderam a rapariga, a sua mãe e a sua prima. Foram as três sujeitas a uma série de humilhações. Entre as muitas acusações apresentadas contra a rapariga, uma remonta a quase dois anos. E sim, tal como David, Ahed Tamimi foi acusada de usar uma fisga. Em Abril de 2016 alegam ter utilizado a fisga contra forças de segurança israelitas, que passaram anos a tentar reprimir os protestos da aldeia em vão, muitas vezes com consequências fatais para os habitantes da aldeia.
Lição 4: Cavar um buraco mais fundo
Enquanto Ahed Tamimi e a sua mãe continuam detidas, a direita tem sido rápida a aprofundar os danos a Israel é à ocupação, adicionando à mistura um novo toque de racismo, xenofobia, e não pouco ódio interno.
"Quando o The New York Times nos elogiou, eu soube que estávamos em apuros," disse no mês passado, o conhecido comentador e advogado de direita Nadav Haetzni. "Isto demonstra a falta de entendimento do parolo Ashkenazi do The New York Times, e dos apoiantes de Obama e Hillary, que não entendem - tal como Obama não entendia - o mundo árabe."
Ao dizer ao Channel 10 de Israel que os Tamimi todos eram uma "família que há muito devia estar presa, ou deportada daqui," Haetzni, filho do pioneiro do movimento dos colonatos Elyakim Haetzni, teve palavras amargas para os palestinianos como um todo:
"Eu também sou Askenazi, mas tento entender o que me rodeia. No cenário em que nos encontramos, se não reagirmos a coisas como esta, o outro lado, que é selvagem, incivilizado, recebe a imagem de uma vitória, e isto apenas o encoraja a cometer actos de terrorismo e a caçar-nos."
Lição 5: Confirmar a injustiça judicial
Caso de Estudo: No final de 2015, um adolescente colono mascarado ataca um rabino líder de uma organização judia de direitos humanos. O adolescente espanca o rabino Arik Ascherman, que é na altura líder dos Rabinos Pelos Direitos Humanos, atirando-lhe uma pedra e brandando uma faca contra ele. O ataque foi registado em vídeo.
No mês passado, após o ministro do Interior, Aryeh Deri, ter escrito uma carta de apoio ao réu, dizendo que conhece pessoalmente o adolescente, que acredita que ele tem um grande coração e é caracterizado por ajudar os outros, um tribunal decretou que o atacante, agora com 19 anos, não seria condenado por nenhum crime. Em vez disso, fará 150 horas de serviço comunitário.
A juíza Sharon Halevy escreveu que optou pelo serviço comunitário, em parte porque uma condenação poderia prejudicar as hipóteses do jovem de se alistar no exército israelita.
Moral: Os colonos podem fazer o que querem. Assaltar quem quiserem. Roubar e ocupar e vandalizar o que querem. Justiça? No que toca a colonos, É realmente cega.
Lição 6: Trump
A semana passada, o ministro dos Transportes de Netanyahu, Yisrael Katz, anunciou que Israel irá baptizar uma estação ferroviária em nome de Donald Trump, na Cidade Velha em Jerusalém Oriental, e espera-se que a estação seja localizada - se chegar a ser construída - na Porta do Esterco da cidade santa.
Não é possível inventar qualquer parte da frase acima.
Lição 7: Estigmatizar a Fundo Nacional Judeu (JNF) como ocupante
Dos muitos, muitos exemplos, o mais recente é este: Uma subsidiária do JNF está a ajudar um esforço que dura há uma geração para despejar uma família palestiniana da sua casa num bairro de Jerusalém Oriental de Silwan, onde o colonato NGO/conglomerado Elad espera por ocupar a casa.
Moral: Não dê ao Fundo Nacional Judeu.
Lição 8: A perspetiva iraniana
Na segunda-feira, Netanyahu publicou no Twitter que desejava "ao povo iraniano sucesso na sua nobre demanda pela liberdade." Acrescentou que "Bravos iranianos saem às ruas. Procuram liberdade. Procuram justiça. Procuram as liberdades fundamentais que lhes foram negadas durante décadas."
Hmm. Não há liberdade para os palestinianos? Não há problema. Nenhuma perspectiva de direitos ou privilégios? Não há problema.
Moral: Deseje ao povo palestiniano sucesso na sua nobre demanda pela liberdade. Se por mais nenhuma razão, porque são seres humanos. E porque procuram as liberdades fundamentais que lhes foram negadas durante décadas. “E a liberdade para os palestinianos pode também finalmente libertar os israelitas de... bem, deles próprios.
Traduzido de:
https://www.haaretz.com/israel-news/1.83265