Shimon Peres
Um manipulador incansável
O mundo inteiro canta louvores, fala-se dele como um santo ou, pelo menos, um Nelson Mandela. No entanto, ao longo de meio século, Peres foi o mal-amado da política de Israel. “Como é que o percevejo chegou ao topo?”, dizia-se já nos anos sessenta, exprimindo assim o desprezo das elites israelitas por aquele que não fazia parte do aparelho: não cresceu no kibutz, não participou nas aventuras guerreiras dos comandos de Palmach.
Até aos dias de hoje, o seu sotaque denunciava a sua exterioridade em relação àqueles que moldaram o Estado hebreu à sua imagem suja. Digamo-lo claramente, Peres fez por merecer a imagem negativa que o acompanhou ao longo da sua carreira: nenhum político israelita soube ser tão oportunista como ele, e fazer da traição uma arte.
“Manipulador incansável”, é assim que o descreve nas suas memórias Yitzhak Rabin, que com ele conviveu muitos anos ao leme do Partido Trabalhista. Ele até traiu o seu mentor David Ben Gurion, quando decidiu abandonar o partido Rafi, apercebendo-se que, apesar da aura do seu chefe, este grupo de que foi o impulsionador se mostrava incapaz de pôr fim à hegemonia trabalhista. Tendo retomado o seu lugar na direção trabalhista, sai de novo deste partido, trocando-o pelo Kadima de Ariel Sharon, que também abandona ao pressentir o naufrágio que se aproximava.
Mas a sua maior traição foi sem dúvida a traição a Yasser Arafat, que tinha convencido a empenhar-se a fundo no processo de Oslo… que Peres sabota após o assassinato de Yitzak Rabin, não tendo coragem para confrontar aqueles que, ao matarem o primeiro-ministro, puseram um ponto final ao dito processo de paz. Shimon Peres é o único político israelita de primeiro plano que nunca foi eleito pelo povo, ganhando os seus galões (ministro dos Negócios Estrangeiros, ministro da Defesa, primeiro-ministro e finalmente presidente do Estado) nas batalhas de aparelho.
Os media locais e internacionais já fazem o balanço da ação política de Shimon Peres: como diretor geral do ministro da Defesa, nos anos sessenta, ele está não só na origem do nuclear israelita, mas também da transformação do Tsahal num exército moderno e eficiente.
É aliás graças aos seus estreitos laços com o Partido Socialista de Guy Mollet que ele conseguiu fazer de Israel uma potência militar, simbolizada pelos caças Mirage das empresas de Dassault e as suas performances em junho de 1967. Mas poucos elogios fúnebres falam do massacre de Kana, no Líbano em 1996, preferindo alongar-se sobre o Prémio Nobel da Paz, recebido pelo seu papel nos acordos de Oslo… que sabotará três anos depois.
Em seu abono, devemos reconhecer que a biografia de Peres não está contaminada com casos de corrupção, de violações ou assédios sexuais, o que contrasta claramente com a classe política israelita dos dias de hoje.
Dito isto, e apesar das coroas de louros que hoje lhe colocam nos quatro cantos do mundo, o antigo presidente do Estado de Israel não terá sido um grande político, mas um politiqueiro manipulador que se tornou um dos grandes mestres do nosso tempo na arte da mentira e da traição.